Full text: 1.1915,18.Aug.=Nr. 12 (1915000112)

& 
MESTRE DE REDES 
CONTOS REG SONDES 
Virgilio Varzea, o auctor deste conto, foi chamado o Pierre Loti brasileiro. 0 mar, as praias 
e as vidas humildes e trabalhosas que ahi se passam são o assumpto da sua excellente prosa. 
“O mestre de redes” é um dos melhores contos desse nosso optimo escriptor. 
h! é o inglez, o Tagas! 
E a voz grossa e rouca rompeu do ca 
minho, rente á praia, de entre piteiras 
verdes que lançavam ao céo, gloriosa 
mente, do meio da corbeilk das folhas, 
as brigas hastes finas, lembrando grandes páos 
bandeira n’algum chão de cidadella remota, 
a bandonada á beira d’agua, invadida pela verdura 
espessa. 
Eiitão de um grupo palrador de pescadores e 
r °ceiros que alli se juntavam sempre pelas ma- 
nhãs de calmaria, quando fóra da faina das rêdes, 
a ‘guns rapazes se ergueram gritando: 
E’ o seu Santos. Ahi vem elle. Está deddida 
a teima... 
E um vulto baixo, reforçado, tisnado, os cabel- 
^ alvejantes, appareceu, avançando, tropego, 
n um movimento balançado de hombros, ¿esta 
ndo vigorosamente no descampado da restinga, 
S Ue se abria, ahi, n’um pequeno planalto gramoso, 
«ominando a vasta bahía, d’aquelie lado do con 
tinente. 
Desde muito, aquelles homens, alli reunidos ao 
a .ntanhecer, esperando o signal dos vigias, discu- 
iani com ardor, em phrases rudes, aggressivas, 
as vezes em conjuncto, etumultuariamente, sobre 
c °usas do mar, manobras de navegação, navios 
tJUe singravam — quando um steamer apontou 
a tam,na barra, todo negro soba neblina argéntea, 
j^guns, apenas o fixaram, deram-lhe um nome. 
™ a s outros, obstinados, na presumpção de conhe 
ci - vapores, discordaram, indicando outras desig- 
j^Ções, soltando nomes em profusão, no enlea- 
utento da controversia, nomes extrangeiros, 
c °ufusos e estropeados: 
n E' o Finance, o Equateur, o Orénoque, o 
'otos L 
Outros oppunham-se, protestavam: 
"-Que não ! Qual ! Aquelles transatlânticos 
aie s conheciam bem. Não ! Esse que alli vinha 
^ da Mala Ingleza. 
Até que afinal o João Bernardo, um pescador e 
Proprietário de rêdes, considerado, que possuia 
sangue calmo e se conservára até alli calado, 
uimove! e taciturno como sempre, sentindo-se 
ratado com «aquellas babuseiras », resolveu in 
tervir; 
Que diabo estão vocês para ahi a dizer? 
^uiguem os entende. Deixem vir o sen Santos, 
â Ue lidou no mar, lá por fóra. Elle é quem sabe. 
ar a isso ninguém como elle... 
Os outros, então, satisfeitos da idéa, n’um al- 
voroço romperam: 
— E’ verdade, o seu Santos é que vae decidir. 
Que homem! Conhecia os navios como as pal 
mas das mãos, conhecia-os ás leguas... 
E extranhavam que o homem ainda não tivesse 
apparecido alli no alto da restinga, onde era 
sempre o primeiro. 
— Talvez estivesse dando a ultima na rêde do 
Porfirio, a que só faltavam os chumbeiros. Era 
um tresmalhão de encher. Não havia segunda. 
Aquillo, lá fóra, ia matar muito peixe... 
Mal tinham concluido, quando o velho, que de 
longe ouvira o berreiro e descortinára o vapor, 
assomou no alto, e exclamou : 
— Ah ! é o inglez, o Tagus! 
Effectivamente era o Tagus que, agora, mos 
trava-se em todo o comprimento, monstruoso, 
bem em frente á restinga, as grossas chaminés fu- 
megantes, aproado para o fundo da bahía, mu 
gindo poderosamente n’um tom vibrantissimo de 
basso profundo, chamando as lanchas da visita... 
A’quella hora da manhã, n’essa vespera de do 
mingo, o sol enchia todo o céo com o seu velario 
de ouro. Do pequeno planalto avistava-se, aqui e 
além, todo o longo recorte da costa, n’uma dese- 
nhação muito nitida. Para um lado, ao norte, 
destacando n’um relevo alteroso, a Bôa-Viagem, 
branquejando ao alto a sua ermida, os morros da 
praia das Flechas e os menhirs de Icarahy, evo 
cando saudosamente certos recantos pittorescos 
da Armórica, povoados de rochas druidicas; e a 
praia immensa, até ao Canto do Rio, resplande 
cia nos pannos cegantes das areias alvíssimas. 
Para o outro lado, ao sul, faiscando magnifi- 
centemente, como topasio e mica, os grandes 
lagos azues e dormentes do Sacco de S. Francisco 
e jurujuba, onde começaa rudez do longo costão 
basáltico de Santa Cruz, com o seu perpetuo es 
tendal de escomilha; e estendendo-se em frente, 
a perder de vista, o mar, manso, magestoso e 
profundo, achatando-se n’uma vastidão infinita. 
I I 
O seu Santos é um velho marinheiro que rolou 
dezenas de anuos no mar, ora em navios de véla, 
ora, mais modernamente, em paquetes, em viagens 
de longo curso, ou na pequena cabotagem. De 
uma descendencia de pescadores e criado á beira- 
mar, onde nasceu, na curva branca e arenosa da 
pittoresca enseada de S. Francisco, bem tenro 
ainda começou a luctar contra as ondas, cruzando 
ao longo das praias em pequenas canoas veleiras. 
Embarcou, porém, pela primeira vez, para o mar 
SUPPLEMENTO
	        
© 2007 - | IAI SPK

Note to user

Dear user,

In response to current developments in the web technology used by the Goobi viewer, the software no longer supports your browser.

Please use one of the following browsers to display this page correctly.

Thank you.