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MESTRE DE REDES
CONTOS REG SONDES
Virgilio Varzea, o auctor deste conto, foi chamado o Pierre Loti brasileiro. 0 mar, as praias
e as vidas humildes e trabalhosas que ahi se passam são o assumpto da sua excellente prosa.
“O mestre de redes” é um dos melhores contos desse nosso optimo escriptor.
h! é o inglez, o Tagas!
E a voz grossa e rouca rompeu do ca
minho, rente á praia, de entre piteiras
verdes que lançavam ao céo, gloriosa
mente, do meio da corbeilk das folhas,
as brigas hastes finas, lembrando grandes páos
bandeira n’algum chão de cidadella remota,
a bandonada á beira d’agua, invadida pela verdura
espessa.
Eiitão de um grupo palrador de pescadores e
r °ceiros que alli se juntavam sempre pelas ma-
nhãs de calmaria, quando fóra da faina das rêdes,
a ‘guns rapazes se ergueram gritando:
E’ o seu Santos. Ahi vem elle. Está deddida
a teima...
E um vulto baixo, reforçado, tisnado, os cabel-
^ alvejantes, appareceu, avançando, tropego,
n um movimento balançado de hombros, ¿esta
ndo vigorosamente no descampado da restinga,
S Ue se abria, ahi, n’um pequeno planalto gramoso,
«ominando a vasta bahía, d’aquelie lado do con
tinente.
Desde muito, aquelles homens, alli reunidos ao
a .ntanhecer, esperando o signal dos vigias, discu-
iani com ardor, em phrases rudes, aggressivas,
as vezes em conjuncto, etumultuariamente, sobre
c °usas do mar, manobras de navegação, navios
tJUe singravam — quando um steamer apontou
a tam,na barra, todo negro soba neblina argéntea,
j^guns, apenas o fixaram, deram-lhe um nome.
™ a s outros, obstinados, na presumpção de conhe
ci - vapores, discordaram, indicando outras desig-
j^Ções, soltando nomes em profusão, no enlea-
utento da controversia, nomes extrangeiros,
c °ufusos e estropeados:
n E' o Finance, o Equateur, o Orénoque, o
'otos L
Outros oppunham-se, protestavam:
"-Que não ! Qual ! Aquelles transatlânticos
aie s conheciam bem. Não ! Esse que alli vinha
^ da Mala Ingleza.
Até que afinal o João Bernardo, um pescador e
Proprietário de rêdes, considerado, que possuia
sangue calmo e se conservára até alli calado,
uimove! e taciturno como sempre, sentindo-se
ratado com «aquellas babuseiras », resolveu in
tervir;
Que diabo estão vocês para ahi a dizer?
^uiguem os entende. Deixem vir o sen Santos,
â Ue lidou no mar, lá por fóra. Elle é quem sabe.
ar a isso ninguém como elle...
Os outros, então, satisfeitos da idéa, n’um al-
voroço romperam:
— E’ verdade, o seu Santos é que vae decidir.
Que homem! Conhecia os navios como as pal
mas das mãos, conhecia-os ás leguas...
E extranhavam que o homem ainda não tivesse
apparecido alli no alto da restinga, onde era
sempre o primeiro.
— Talvez estivesse dando a ultima na rêde do
Porfirio, a que só faltavam os chumbeiros. Era
um tresmalhão de encher. Não havia segunda.
Aquillo, lá fóra, ia matar muito peixe...
Mal tinham concluido, quando o velho, que de
longe ouvira o berreiro e descortinára o vapor,
assomou no alto, e exclamou :
— Ah ! é o inglez, o Tagus!
Effectivamente era o Tagus que, agora, mos
trava-se em todo o comprimento, monstruoso,
bem em frente á restinga, as grossas chaminés fu-
megantes, aproado para o fundo da bahía, mu
gindo poderosamente n’um tom vibrantissimo de
basso profundo, chamando as lanchas da visita...
A’quella hora da manhã, n’essa vespera de do
mingo, o sol enchia todo o céo com o seu velario
de ouro. Do pequeno planalto avistava-se, aqui e
além, todo o longo recorte da costa, n’uma dese-
nhação muito nitida. Para um lado, ao norte,
destacando n’um relevo alteroso, a Bôa-Viagem,
branquejando ao alto a sua ermida, os morros da
praia das Flechas e os menhirs de Icarahy, evo
cando saudosamente certos recantos pittorescos
da Armórica, povoados de rochas druidicas; e a
praia immensa, até ao Canto do Rio, resplande
cia nos pannos cegantes das areias alvíssimas.
Para o outro lado, ao sul, faiscando magnifi-
centemente, como topasio e mica, os grandes
lagos azues e dormentes do Sacco de S. Francisco
e jurujuba, onde começaa rudez do longo costão
basáltico de Santa Cruz, com o seu perpetuo es
tendal de escomilha; e estendendo-se em frente,
a perder de vista, o mar, manso, magestoso e
profundo, achatando-se n’uma vastidão infinita.
I I
O seu Santos é um velho marinheiro que rolou
dezenas de anuos no mar, ora em navios de véla,
ora, mais modernamente, em paquetes, em viagens
de longo curso, ou na pequena cabotagem. De
uma descendencia de pescadores e criado á beira-
mar, onde nasceu, na curva branca e arenosa da
pittoresca enseada de S. Francisco, bem tenro
ainda começou a luctar contra as ondas, cruzando
ao longo das praias em pequenas canoas veleiras.
Embarcou, porém, pela primeira vez, para o mar
SUPPLEMENTO