Full text: 2.1923=Nr. 3 (1923000203)

- 14 - 
?ELO MUNDO... 
A FONTE 
QUEBRADA 
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Alguém — um va 
li- gabundo ao beber ou 
os meninos, que sem 
pre andam á cata de 
maravilhas — quebrou 
a íonte, originanidn-se 
assim aquelle jorro, in 
esperado, que se eleva 
do fundo da terra, das 
entranhas tenras e invi 
síveis do asphalto. Foi 
lima apparição maravi 
lhosa, algo que deixou todo o mundo atto. 
nito, como o achado dum thesouro. Surgiu 
o jorro, inesperado, immaculado e fresco, 
assim corno a primeira rima dum poeta. 
Elevou-se primeiro recto e compacto, como 
um grande tympano, e logo se desgrenhou 
no alto, á maneira das palmeiras e dos 
fogos de artificio, mas duns fogos beni. 
gnos, que despediam frescura, em vez de 
scentelhas inflammadas. Subia á altura das 
arvores, como outra arvore desconhecida, 
curvava-se no ar e salpicava-o todo com os 
seus fructos de agua. Cresceu desmesura 
damente num instante, como se sazonasse 
de repente, ao calor dum tropico mysterioso. 
E num segundo o ar se encheu de frescura, 
como se uma mãe houvesse descoberto os 
seus seios. 
A principio 1 , toda a gente celebrou com o 
seu pasmo e jubiloso assombro a creação 
generosa, pois aquelle jorro era uma arvo 
re a mais na grande praça, uma fonte a 
mais, na cidade, alguma coisa que surgira 
subitamente do nada. Paravam a olhal-o, 
aparvalhados, os pares de noivos, as fami 
lias e os homens solitários, prodigalizando 
olhares. . Os meninos chegavam a saudar a 
maravilha ; brincavam com a agua. como 
brincam com os cachor 
rinhos de casa e como! 
brincariam com um 
leão. Brincavam com a 
agua ; ignorantes de 
sua força, pretendiam 
amansal-a e desviar suai 
direcção ; e a agua, in-f 
domita e innocente, mo-j 
lhava-lhes os pés e ros- 
to e a roupa ; brincan, fe 
do com elles como a 
tromba dum elephante domesticado. 
Assim decorreu a pura alegria da agua. 
Os vagabundos, sempre sedentos, como os 
nômadas, bebiam em pé aquellas generosos 
eaudaes, deixavam que aquella chuva cle 
mente lhes molhasse as faces. Do regaço 
das mães, os pequerruchos estendiam as 
mãos, como se presentissem seios mais far 
tos, despertando sua cubiça. Homens e 
mulheres miravam-se mutuamente, como se 
contemplassem fogos de artificio e procura 
vam nos semblantes o seu reflexo. E alguns 
opplaudiram. 
Mas logo sentiram todos, salvo os meni 
nos e os vagabundos, o susto daquella gene 
rosidade espontanea da agua, e pensaram 
na necessidade de conter outra vez a fonte. 
Espíritos tacanhos calculavam o valor da 
agua que se estava desperdiçando. Alguém 
disse, sem suspeitar a belleza de sua evo 
cação : 
— Esta agua é um deserto! 
Tãoi certo é que a agua evoca sempre, 
como a rosa, a idéa do deserto, pois é alli 
onde uma e outra alcançam seu apogeu má 
ximo. Na verdade, aquelle jacto parecia a 
juba desgrenhada dum leão. E o publico
	        
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