Full text: 2.1923=Nr. 8 (1923000208)

- •$ - 
PELO MUNDO... 
m 
.. * 
N 
■ ■ 
(Do diario dum estudante sobre á vida sangrenta na Russia) 
Fiquei petrificado, quando recebi aquel- 
ie telegramma da minha terra! Gelou-se-me 
o sangue nas veias, senti quasi abrir-se-me 
a cabeça e olhei instinctivamemte para o re 
trato de meu pae. Não comprehendi, de 
.momento, o significado dio (terrível despa 
cho telegraphieo. Apoiei, dlepo.is, ia cabeça 
nas mãos ,e tormei a I.er o telegramma. Í5e 
novo fiquei como idiota, sentado no meio do 
quarto. 
ÜJma iraiva surda me invadiu de subi- 
to e, levantando-me, arrojei para longe, ras 
gando-os, alguns livros que estavam sobre a 
miesa e destrocei a dente jornaes e revistas 
a que pude deitar a , mão, gemendo silencio 
samente como por effeito de uma mordedu 
ra de víbora no coração. 
I>eitei-m,e na cama sem despir-me. Ha 
via no meu quarto um certo cheiro a medi 
camentos e avistei pela janella a dona da 
casa, uma allemã de nariz ossudb, contan 
do qualquer coisa a um homem gordo de 
brilhante calva, que meneava a cabeça, di 
zendo apenas: 
— E’ horrível! horrivel, horrível... 
No dia seguinte, depois do mieio dia, 
saltei da cama, apanhei a roupa e mandei 
trazerem-me vinho, que bebi a mais não po 
der. 
Avisei a allemã de que ia á miinha terra 
ipar algumas semanas e voltaria a occupar 
o mesmo quanto. Que o não alugasse a nin 
guém. 
Viajando no trem e observando como as 
enormes montanhas, de cumes pardacentos 
e lombadas pretas, se afastavanf de mim, 
pensei que a natureza não era tal, como di 
ziam os poetas, a «mamãe querida». Não. 
Aquellas montanhas, de pardacentos cumes, 
tão tranquillas, eram as mesmas montanhas 
de quando ali se matava, se incendiava, ee 
degollara e se martyrizava. Murmurava do 
cemente o Rheno, banihando isuas margens, 
emquanto ali se cravavam ferros em braza 
nas cabeças e se retachavam gargantas. Não! 
O mundo não era mais que uma caverna on 
de o grande Deus encerrou os homens. 
— Tomae! — disse Deus certamente — 
tomae estes lindos brinquedos, montanhas, 
basquee, arroios, etc. Tomae uma Lua, um 
Sol e estrellas e brincae, queridinhos, que- 
braé-vos mutuamente as cabeças. 
De novo o telegramma me faz estreme 
cer, e de novo sinto sangrar o coração. 
(Dm saque, nossa casa destruida, incen 
diada, o mano assa-sinadlo, mamãe grave 
mente ferida. Coragem. Vem». 
Era esse o conteúdo db despacho tele- 
graphico transmittido por um parente meu, 
que devia estar sem duvida* sob a horrivel 
pressão do itragico acontecimento. 
E o ruido das nodas do trem canta para 
mim o tieixto do telegramma. Repete-o, es- 
miuçalha-o e dispersa-o po.r entre as rrton- 
tanhas e rios que atravetsamoe. 
Um allemão, gordo, de barba raspada, 
que viajava a meu lado, afastou-se um pou 
co, de mim, e ficou depois a analysar-me, 
fumando um charuto. 
Atravessáramos a fronteira. Já não ha 
via mais montanhas nem valles, nem rioa 
murmurantes entre rochas negras. Altos e 
tristes cypresfces <6 que se viam agora a agi 
tarem os seus grandes braços verdes. Que 
quereriam elles? Poir que agitavam os bra 
ços? Compadeciam-se de mim? Queriam 
consolar-me, talvez? Tudo o mesmo. O mes 
mo sempre. Tres annlos antes eu atravessa 
va a fronteira em busca de um diploma, e 
voltava agora, perdido todo esse tempo na 
grande cidade, feito rato de archivos, met- 
tido sempre entre livros empoeirados. Quan 
do desejava «gozar» uma agradavel e doce 
tristeza, baixava a 'cablera lientamente, fe-* 
dhava os olhos e evocava na minha fanta 
sia a melhor dae recordações da minha me- 
}' 
!.*’•
	        
© 2007 - | IAI SPK
Waiting...

Note to user

Dear user,

In response to current developments in the web technology used by the Goobi viewer, the software no longer supports your browser.

Please use one of the following browsers to display this page correctly.

Thank you.