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PELO MUNDO...
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(Do diario dum estudante sobre á vida sangrenta na Russia)
Fiquei petrificado, quando recebi aquel-
ie telegramma da minha terra! Gelou-se-me
o sangue nas veias, senti quasi abrir-se-me
a cabeça e olhei instinctivamemte para o re
trato de meu pae. Não comprehendi, de
.momento, o significado dio (terrível despa
cho telegraphieo. Apoiei, dlepo.is, ia cabeça
nas mãos ,e tormei a I.er o telegramma. Í5e
novo fiquei como idiota, sentado no meio do
quarto.
ÜJma iraiva surda me invadiu de subi-
to e, levantando-me, arrojei para longe, ras
gando-os, alguns livros que estavam sobre a
miesa e destrocei a dente jornaes e revistas
a que pude deitar a , mão, gemendo silencio
samente como por effeito de uma mordedu
ra de víbora no coração.
I>eitei-m,e na cama sem despir-me. Ha
via no meu quarto um certo cheiro a medi
camentos e avistei pela janella a dona da
casa, uma allemã de nariz ossudb, contan
do qualquer coisa a um homem gordo de
brilhante calva, que meneava a cabeça, di
zendo apenas:
— E’ horrível! horrivel, horrível...
No dia seguinte, depois do mieio dia,
saltei da cama, apanhei a roupa e mandei
trazerem-me vinho, que bebi a mais não po
der.
Avisei a allemã de que ia á miinha terra
ipar algumas semanas e voltaria a occupar
o mesmo quanto. Que o não alugasse a nin
guém.
Viajando no trem e observando como as
enormes montanhas, de cumes pardacentos
e lombadas pretas, se afastavanf de mim,
pensei que a natureza não era tal, como di
ziam os poetas, a «mamãe querida». Não.
Aquellas montanhas, de pardacentos cumes,
tão tranquillas, eram as mesmas montanhas
de quando ali se matava, se incendiava, ee
degollara e se martyrizava. Murmurava do
cemente o Rheno, banihando isuas margens,
emquanto ali se cravavam ferros em braza
nas cabeças e se retachavam gargantas. Não!
O mundo não era mais que uma caverna on
de o grande Deus encerrou os homens.
— Tomae! — disse Deus certamente —
tomae estes lindos brinquedos, montanhas,
basquee, arroios, etc. Tomae uma Lua, um
Sol e estrellas e brincae, queridinhos, que-
braé-vos mutuamente as cabeças.
De novo o telegramma me faz estreme
cer, e de novo sinto sangrar o coração.
(Dm saque, nossa casa destruida, incen
diada, o mano assa-sinadlo, mamãe grave
mente ferida. Coragem. Vem».
Era esse o conteúdo db despacho tele-
graphico transmittido por um parente meu,
que devia estar sem duvida* sob a horrivel
pressão do itragico acontecimento.
E o ruido das nodas do trem canta para
mim o tieixto do telegramma. Repete-o, es-
miuçalha-o e dispersa-o po.r entre as rrton-
tanhas e rios que atravetsamoe.
Um allemão, gordo, de barba raspada,
que viajava a meu lado, afastou-se um pou
co, de mim, e ficou depois a analysar-me,
fumando um charuto.
Atravessáramos a fronteira. Já não ha
via mais montanhas nem valles, nem rioa
murmurantes entre rochas negras. Altos e
tristes cypresfces <6 que se viam agora a agi
tarem os seus grandes braços verdes. Que
quereriam elles? Poir que agitavam os bra
ços? Compadeciam-se de mim? Queriam
consolar-me, talvez? Tudo o mesmo. O mes
mo sempre. Tres annlos antes eu atravessa
va a fronteira em busca de um diploma, e
voltava agora, perdido todo esse tempo na
grande cidade, feito rato de archivos, met-
tido sempre entre livros empoeirados. Quan
do desejava «gozar» uma agradavel e doce
tristeza, baixava a 'cablera lientamente, fe-*
dhava os olhos e evocava na minha fanta
sia a melhor dae recordações da minha me-
}'
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