- 107 -
PELO MUNDO...
¿V
ir.
scena acostumada. As Langas, por exemplo,
são um cannavial; os personagens desappa-
receram ; o céo é o mar Mediterráneo; e o
conjuncto do quadro, emfim, em vez de re
presentar urna scena histórica, cheia de per
sonagens e de soldados, mudou-se em pai-
zagem meridional, um aspecto sob o qual se
desconhece Velasquez, salvo nas duas paiza-
gens da Villa Medieis. Que dirieis então ?
Então, e não antes, é que nós, homens da
rúa {the man in the Street, como dizem os in-
glezes) admiraríamos deveras Velasquez. Que
genio estupendo! Chamal-o-iamos de precur
sor, e a theoria da relatividade (digo da re
versibilidade) se apreciaria num exemplo his
tórico.
Pois essa é a pintura reversível. Uma pin-'
tura que, no mínimo, representa dous assum
ptos e não um só (ou ás vezes nenhum); uma
pintura que póde satisfazer dous temperamen
tos differentes, á diversidade dos assumptos,
do seu estylo, de sua tonalidade; urna pintura,
afinal, que não é mais «urna pintura», mas
duas, e que poderá ser collocada, segundo as
circumstancias, ora de cabeça para cima ora
para baixo, que poderá variar a decoração de
nossos salões de um momento para outro; uma
pintura dupla que servirá ao mesmo tempo
para ¡Ilustrar e para divertir por partida do-
orada ao espectador. Sentimo-nos tentados a
dar a formula mathematica da nova theoria
ei-la:
□ 2
Não nos resta senão ¡Ilustrar com alguns
exemplos graphicos, como prova evidente de
que não falamos a esmo, mas que sabemos
«realizar» as mais estrambóticas theorias, do
momento que tomamos a penna, afim de espa
lharmos a boa nova.
O leitor não imagine que os desenhos que
¡uustram este artigo tenham malicia nem outra
intenção que a que se deprehende á primeira
vista. Assim, por exemplo, o grave juiz inglez,
com os seus oculos e peruca, póde ser toma
do por simples debique á magistratura ingle-
za; e a caricatura alvar, a alegria do theatro—
do mau theatro. Porém ha mais alguma cousa:
‘Omae o trabalho de contemplar estas e outras
"guras de cabeça para baixo, e vos conven-
fereis que ha outra cousa mais. O nariz do
juiz se transformou em barbica de outro per
sonagem, e quanto á caricatura, se mudou em
«ansarina. E examinando um por um estes
desenhos, verificamos que significam duas
ousas ao mesmo tempo, e ás vezes, (a maio-
*ia), duas cousas muito diversas.
Estas figuras não são mais que a illustra-
çao de nossa theoria, desenhos (seja dito com
licença.do desenhista) cuja pretenção não foi
senão de apresentar esta theoria de um modo
satisfactorio.
Imagine o leitor que partido poderá tirar
dessa theoria um pintor genial que não se
dispõe de traços mas de tintas, e que não so
mente pinta retratos mas paizagens ou scenas
das mais complicadas.
Ahi está a idéa com que presenteamos um
futuro chefe de escola, algum talento novo e
de progresso, que queira fazer caminho para
deixar o seu nome á posteridade.
E para concluir, diremos que a idéa da re
versibilidade na pintura póde ser multiplicada
e elevar-se á ultima potencia, ou no minimo á
quarta potencia, isto é, adoptando pela segun
da vez a formula mathematica.
U 4
Porque se é exequível, como ficou demons
trado, que um quadro póde representar dous
assuráptos, f evidente que a theoria applica-
da por um pintor ou genial desenhista possa
quadruplicar-se, e dar a um quadro quatro
significações, correspondentes á sua posição ao
canto de cada um dos lados.
Muito tem dado que falar a theoria da «re
latividade de Einstein», e na opinião unanime,
ninguém a entendeu.
A idéa da «reversibilidade», que preconisa-
mos, não quer revolucionar a sciencia, mas
áim a arte, e é evidente que todos a podem
comprehender, embora só um ou outro talento,
mais ou menos impressionável e accessivel ás
novas idéas, a possa por em pratica.
O naturalista inglez, sir John Lubock, asse
gura que a aranha é de todos os animaes
a que mais come, proporcionalmente ao seu
tamanho. Pesou varias aranhas, antes e depois
de terem comido, e tirou a conclusão de que
se um homem quizesse comer uma quantidade
de alimento proporcional á que comem aquel-
les animaesinhos, teria de devorar, em cada
vinte e quatro horas, duas vaccas, treze car
neiros, dez porcos e quatro toneladas de peixe.
Sç considerarmos quanto os conhecimen
tos litterarios dilatam os limites da intelligen-
cia e quanto elles multiplicam, ajustam, recti
fícame arrumam as idéas, reconheceremos
sem °ifficuldade que são equivalentes a um
sentido addicional; offerecem prazeres que a
riqueza não póde dar, e que a pobreza não
pode tirar completamente.