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PELO MUNDO...
íoram cimentados pelo desgraça ou soffri-
mento.
Se tivesse tempo e espaço, lhe contaria
como os meus humildes heróes conseguiram
formar finalmente um lar sem desasocegos;
porém preciso concluir.
Não posso resistir, entretanto, ao desejo de
dar-lhe urna idéa do ambiente desesperador
no qual elles viveram largos annos; folhas
arrancadas da arvore da familia, sem relações,
tinham dois grandes luxosos livros e a
musica.
Um vendeiro implacável e grande, devoto
de Baccho, alugava-lhes uma parte de sua
casa; das reuniões avinhadas da venda sur
giam olores e ruidos que eram sangrenta iro
nia para as apaixonadas arias de Donizetti
e de Meyerbeer; de modo que nem na solidão
podiam os desgraçados esquecer nas azas da
musica, o que tanto os affligia. Os gritos
da jogatina e as brigas e canções continuas
dos bebedos, penetravam na silenciosa casita,
como hospedes insolentes e turbulentos, que
riam da sua tímida tentativa de emancipação.
Não se diria, ao ver a delicada figura da
pianista, que as mãos que arrancavam intel-
ligentes vozes do velho piano, eram as mes
mas que momentos antes haviam preparado
uma demasiado modesta ceia — nesta his
toria, está o assumpto de um romance de
Dickens ! — A casita fechava-se ao pôr do
sol, e só os gritos dos bebedos interrompiam
a triste communhão daquelles espíritos que
pediam á musica e ao livro o esquecimento
da hora presente. Uma vez — era duro o
inverno — augmentavam os gastos, e elle
não se decidia a pedir o que cria poder
ganhar mais tarde com o seu trabalho. Ha
via frio na casa, muita melancolia e muito
desespero. Então elle abandonou as abstrac-
ções da arte e imaginou mitigar o soffri-
mento com o engano da alma.
Precisavam de alguma cousa que lhes
occupasse a mente, da qual muito mais vi
viam que do corpo; é comprou «Os Tres
Mosqueteiros», esse velho e encantador ro
mance, que os fez chorar, que lhes apre
sentou figuras de outros tempos e de outros
homens. Com «Os Tres Mosqueteiros» e «Vinte
Annos Depois» passaram muito agradavelmente
o inverno. Que quer ? Quando ha affecto a
felicidade está sempre perto.
Os meus heróes andam pela Europa com
os seus filhos, não por ostentação, mas sim
no desejo ardente de ver e de aprender. Creio
que são felizes vendo crescer os seus re
bentos ao exemplo de suas próprias vir
tudes.
Se os cito como uma visão de romance é
que desejo que os imite na perseverança, na
sinceridade com que se fundiram um no outro,
na absoluta renuncia de egoísmo com que
associaram as suas existencias, e no amor
profundo que se votavam, nascido do respeito
mutuo e da benevolencia com que considera
vam as inevitáveis fraquezas da vida.
Evite quanto puder o contacto das cousas
e pessoas vulgares; trate sempre de ter ao
alcance da mão um bom livro, e lembre-se
que a arte, a poesia, a musica, o estudo, sua-
visam as asperezas da vida, e tornam o ho
mem paciente e amavel.
Seu muito amigo,
Carlos Oliveira
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O pesadelo dum banqueiro alleir.ão.