Full text: 3.1924=Nr. 2 (1924000302)

- 40 - 
PELO MUNDO... 
Uma noite, entre, copos de cerveja, combinaram executar o plano do Castello. 
das linhas dos corpos estariam apagadas, 
todos os erros de fórma desfeitos, e ni 
veladas todas as tortuosidades da materia 
sensível. E assim isoladas do campo da 
visão, seriam iguaes diante do universo. 
E durante alguns annos, esses pensa 
mentos foram sempre para elles objecto 
de constante attenção. 
Uma noite, entre copos de cerveja, con. 
cordaram realizar o plano do “Castello”. 
Sobre o mármore da mesa traçaram li 
nhas formando pyramides, cubos e outras 
figuras, porem quando chegava o mo. 
mento de considerar a natureza e resis 
tencia dos materiaes, a profundidade dos 
alicerces, a elevação das paredes, a altura 
maxima da construcção, os detalhes do in 
terior, absorviam-se em considerações so 
bre o bem estar da alma na vizinhança 
do cêo, neste isolamento de quem aspira 
na terra ao máximo de paz, afim de não 
sentir mais o repugnante fedor dos ajun 
tamentos humanos. 
— O meu “Castello”, dizia Antonio, 
reconforta e dá repouso ao coração para 
sempre. Ao passo que aqui em baixo, o 
reboliço das ambições e o ruido absurdo 
dos vehículos e do vozerio, forçam a nossa 
vista ver o que não «e deseja, e aos nossos 
ouvidos ouvir o que lhes desagrada, e a 
nossos sentidos sujeitarem servilmente 
aos sentidos alheios, impedindo a recta 
formação idos pensamentos e a serenidade 
dos trabalhos intellectuaes; alli, na supre 
ma altitude, recuperamos a nossa vida 
perdida, e não sentimos mais o contacto 
com a terra. 
E. Raphael exclamava que nunca encon 
traria no mundo quem, como Antonio, 
fosse o espelho perfeito do seu “Eu”. 
Assim ambos caminharam e progre 
diram no abstracto, com a 'devoção de 
um fakir” no seu estado de inercia. 
Entretanto as circumstancias da vida 
separaram os dous amigos. 
Antonio foi para uma cidade pequena 
onde se hospedou na casa de uns parentes. 
Vieram as difficuldqjdes, e com ellas a 
pobreza. 
Da manhã â noite exclamava sem ces 
sar e entre torturas: “O meu Castello ! 
O meu Castello!” 
Isto assustou a familia, e chamou-se um 
medico que receitou bromureto, depois ou 
tro que ayiministrou-lhe iodureto de po 
tássio; com o tempo outro facultativo 
consultado quiz experimentar um trata 
mento pelo Salvarsan, e afinal um doutor 
de molestias nervosas indicou o manl. 
comio onde foi recolhido o doente. 
Sem resistencia alguma, Antonio del- 
xou-se levar. 
Ao approximar-se do edificio sorria, 
os olhos fixos nos altos torreões, e excla. 
mava satisfeito e risonho: “O meu Cas 
tello”! 
O director do estabelecimento conside 
rando a sua procedencia humilde e a 
fraqueza de sua constituição, deixou o 
ficar em liberdade num dos torreões mais 
altos, onde o louco, isolado de todo o con 
vivio humano, sem outros horizontes se 
não os espaços do cêo, escrevia paginas 
philosophicas de dolente belleza, de su 
prema sensibilidade.
	        
© 2007 - | IAI SPK
Waiting...

Note to user

Dear user,

In response to current developments in the web technology used by the Goobi viewer, the software no longer supports your browser.

Please use one of the following browsers to display this page correctly.

Thank you.