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PELO MUNDO...
Uma noite, entre, copos de cerveja, combinaram executar o plano do Castello.
das linhas dos corpos estariam apagadas,
todos os erros de fórma desfeitos, e ni
veladas todas as tortuosidades da materia
sensível. E assim isoladas do campo da
visão, seriam iguaes diante do universo.
E durante alguns annos, esses pensa
mentos foram sempre para elles objecto
de constante attenção.
Uma noite, entre copos de cerveja, con.
cordaram realizar o plano do “Castello”.
Sobre o mármore da mesa traçaram li
nhas formando pyramides, cubos e outras
figuras, porem quando chegava o mo.
mento de considerar a natureza e resis
tencia dos materiaes, a profundidade dos
alicerces, a elevação das paredes, a altura
maxima da construcção, os detalhes do in
terior, absorviam-se em considerações so
bre o bem estar da alma na vizinhança
do cêo, neste isolamento de quem aspira
na terra ao máximo de paz, afim de não
sentir mais o repugnante fedor dos ajun
tamentos humanos.
— O meu “Castello”, dizia Antonio,
reconforta e dá repouso ao coração para
sempre. Ao passo que aqui em baixo, o
reboliço das ambições e o ruido absurdo
dos vehículos e do vozerio, forçam a nossa
vista ver o que não «e deseja, e aos nossos
ouvidos ouvir o que lhes desagrada, e a
nossos sentidos sujeitarem servilmente
aos sentidos alheios, impedindo a recta
formação idos pensamentos e a serenidade
dos trabalhos intellectuaes; alli, na supre
ma altitude, recuperamos a nossa vida
perdida, e não sentimos mais o contacto
com a terra.
E. Raphael exclamava que nunca encon
traria no mundo quem, como Antonio,
fosse o espelho perfeito do seu “Eu”.
Assim ambos caminharam e progre
diram no abstracto, com a 'devoção de
um fakir” no seu estado de inercia.
Entretanto as circumstancias da vida
separaram os dous amigos.
Antonio foi para uma cidade pequena
onde se hospedou na casa de uns parentes.
Vieram as difficuldqjdes, e com ellas a
pobreza.
Da manhã â noite exclamava sem ces
sar e entre torturas: “O meu Castello !
O meu Castello!”
Isto assustou a familia, e chamou-se um
medico que receitou bromureto, depois ou
tro que ayiministrou-lhe iodureto de po
tássio; com o tempo outro facultativo
consultado quiz experimentar um trata
mento pelo Salvarsan, e afinal um doutor
de molestias nervosas indicou o manl.
comio onde foi recolhido o doente.
Sem resistencia alguma, Antonio del-
xou-se levar.
Ao approximar-se do edificio sorria,
os olhos fixos nos altos torreões, e excla.
mava satisfeito e risonho: “O meu Cas
tello”!
O director do estabelecimento conside
rando a sua procedencia humilde e a
fraqueza de sua constituição, deixou o
ficar em liberdade num dos torreões mais
altos, onde o louco, isolado de todo o con
vivio humano, sem outros horizontes se
não os espaços do cêo, escrevia paginas
philosophicas de dolente belleza, de su
prema sensibilidade.