- 97 -
PELO MUNDO...
•*«.:. V .
V V ' '
v
■
■
i
;
í'Stjil
ws
m
: * .■*■—»*
ü
["pj E5THTUH DE CE5HREH &e*3¡
+
y y y
JOSÉ HENRIQUE RODÓ
a, a *
v
Ã
Que mysteriosa geração de personagem
épico, de novella ou romance, é esta? Que
divina virtude operou esta creação — dar ao
mundo urna creatura imaginaria, immortal:
Don Quixote ou Don Juan, Othelo ou Ham-
leto? Arrancar das entranhas da propria al
ma outra alma, não reflexo delia mesma,
mas autónoma e distincta; feita de tela de
sonhos e comtudo dotada do mais brioso es
pirito, de vida mais intensa e pertinaz que
os proprios heroes da historia; individual e
única, não com a unidade artificial da ab-
stracção mas com a lógica viva da nature
za; “pessoa” e “idéa” ao mesmo tempo; al
ma que no correr do tempo se tornou ob
sessão como um modelo ideal do pintor, para
que elle a interprete e fixe a sua encar
nação visivel; do musico para descrever a
sua mais intima essencia; do pensador para
alumiar e analysar a sua mais secreta inti
midade, alma capaz de se impôr á imitação
das que vivem no mundo, de modo que, de
pois de ter vida ideal, maravilhosamente te
cida de palavras, adquira ser real e corpo
tangivel, modelo segundo a sua imagem,
a individualidade de homens de carne e
osso, e typo exemplar no qual se fixam os
olhares de gerações inteiras?
Que portentoso mysterio da imaginação é
este que créa, que arrebata do céo, com o
titán philanthropo a faisca com que dar vi
da aos homens?...
* * *
Como devia ter sido o semblante de Je
sus de quem não se tinha imagem conheci
da, era a preoccupação de um eremita nos
tempos dos primeiros ermitões. Nus, ima
ginavam o Redemptor com corpo formoso,
transparente fôrma de seu espirito. Outros,
ao contrario, attribuiam-lhe, com a feialda-
de do corpo, a tenção de provocar o menos
prezo dos homens, por ser baixo o senso
material. Por tradição, sabia o eremita que
em Cesarea, cidade do Antilibano, próxima
das nascentes do Jordão, um dos doentes a
quem o Mestre havia restituido com a sau-