Full text: 3.1924=Nr. 11 (1924000311)

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PELO MUNDO... 
f 
V 
I N O, 
e: seu o a va l. lo turv 
Pepino, o Breve, é o correio de São 
Lourenço. 
A’ primeira vista pode parecer paradoxo 
que se pretenda app'ór o cognome de «o 
Bréve» a qualquer correio do mundo, mór- 
tnente ao flo Brasil, onde o serviço postal 
está affecto ás attribuições do Estado. 
Ora, desde que o mundo é mundo, sempre 
que a preguiça humana se mancommuna com 
a . funcção burocrática para realizar um ser 
viço que implica actividade e presteza, este 
tende fatalmente a ser de urna irritante mo- 
Tosidade. E se assim íé a leí que rege a 
sorte dos correios sob ( o contróle do Es 
tado, como e por que rebentou, no meio 
desta modorrenta engrenagem, um estafeta 
com o nome cadastral de 
Pepino, o B reve ? Será esse 
«ppellido um travo de iro 
nia? 
Não. Os mineiros são gen 
te de uma simplicidade dul 
císsima; e quando se des 
contentam d'alguma casa, ou 
choram rimas primorosas, co 
mo faz o Belmlro Braga, ou 
dependuram-se mcomtnoda- 
mente de um'a corda official, 
c°mo o fez Tlradentes. 
Os mineiros, dentro de sua 
sinceridade sertaneja, ou 
a mam com enthusiasmo, ou 
desprezam com discreto si- 
len 
% 
cio, ou reagem com altivez 
desassombrada. A ironia, es- 
56 requinte virulento do genio 
urbano, ainda não contaminou 
us aguas de São Lourenço. 
r~°go, não ha perfídia em- 
.rada no cognome de Pe 
pino. 
Então como se justifica tal epitheto? 
Como admittir que dentre o milhão de 
Estafetas que por ahi pullulam, na sua quasi 
°taliüade humanamente burocráticos e buro 
cráticamente lérdos — surja um Pepino sin- 
|t.lar, que mereça e alcance o appellido «o 
“réve» ? 
E motivo é simples: é que entre a boa 
a tenção humamssima do honrado Pepino e 
a essência burocrática de seu cargo, medeia 
penas esta coisa que não é humana nem 
Urocratica — medeia o Tupy. 
O Tupy é o cavallo dò Pepino, o Breve. 
Sempre que o homem resolve elevar-se aci 
tu ao nível de seus eguaes, trepa no dorso 
um cavallo. Assimi o fizeram Attila, Na- 
^°teão, Frederico II, D. Quixote e Pepino, 
Bréve, o correio equestre de São Lou- 
ctiço. Que sena de Pedro I, se não fôra 
^uell e cavallo de bronze que elle monta, 
de^ caboclos e de feras, no largo 
Rocio ? v Com aquelle papelucho na mão, 
pareceria antes um leiloeiro que um liberta 
dor de povos. 
E eu, do retiro do meu quarto de hotel, 
ao ver, á hora do sol poente, a estranha 
silhueta daquella ossatura ambulante, que ser 
ve de montada ao bom, ao honrado Pepino 
— eu pretendo haver comprehendido toda a 
ímmensa tragedia que deve ,ter sido a vida dos 
Rocinantes, dos Bucephalos e dos Tupys. 
Quando eu te contemplo de perto ó meu 
magro e exceliente quadrúpede, julgo des 
cobrir na profunda. transcendencia de teu 
olhar de cavallo a resignação buddhistica e 
sabia com que acceitas o destino da tua es 
pecie. Como eu te venero, meu magro e ex- 
cellente Tupy. Ha oito longos annos traba 
lhas surdamente ao serviço 
da mala-posta, levantando 
com os teus combalidos pás 
o pó das estradas de barro 
vermelho, sob o peso buro 
crático de teu boníssimo do 
no; e nem por isso conse 
gues contar tempo para a 
vitaliciedade de teu cargo, 
nem para os effeitos duma 
justa aposentadoria: E no 
meio de toda a indifferença 
dos «aquaticos» de São Lou 
renço pela grandeza de tua 
resignação de cavallo, só 
mente uma voz humana te 
consola: é a voz de Pepino, 
o Bréve, o teu honrado e 
carinhoso dono. 
Pepino é, em verdade, o 
teu maior amigo; e com isso 
não faz mais do que pagar 
a fidelidade que lhe consa 
gras. Pepino pleiteia, junto 
ao Parlamento Nacional, por 
intermedio do Ephigenio de Salles, vezeiro 
«aquatico» de São Lourenço, a votação de 
uma verba addicional para melhor sustento 
e trato de tua carcassa, ó meu velho e 
magro Tupy: 
Fica, pois, sabendo, ó Tupy, que de hoje 
em deante, além' da solidariedade de teu 
honrado dono, podes ainda contar com o 
meu fraco mas sincero apoio, desta sacada 
d’O JORNAL, á tua promoção a funccio- 
nario effectivo do Correio Geral do meu 
paiz. 
Mas, por Deus, não te burocratizes; con 
serva-te integralmente cavallo: "Não te hu 
manizes, para bem do serviço postal de São 
Lourenço e para segurança da propina de 
teu boníssimo dono, este singular correio 
equestre que se chama Pepino, o Bréve. 
Mendes Fradique. 
V
	        
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