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PELO MUNDO...
numa caixa de vidro, como nas vitrinas, ás
vezes, as mãos de cêra mostram anneis ou
braceletes.
São as mãos de meu pae...
Súbito ouviram ruido por detrás delles e
voltaram-se para ver. Na sombra, sobre um
sofá, uma fórma se mexia e se dirigia para
elles, rápido, a pronunciar palavras que o
rapaz não entendia. Um homem avançou, ves
tido como os tziganos que Rouletabille tinha
visitado na vespera em companhia de Ivana,
numa aldeia próxima ao lado do cemiterio.
— E’ o nosso pastor Vello, devotado como
um cão. Não sei por que meu tio o poz
aqui com ordem de não deixar entrar nin
guém. Está dizendo que nos vamos embora,
e vae prevemr, disto, meu tio...
Ivana dirigiu-se para um cofre enorme pin
tado de imagens simples e todo guarnecido
de cobre, collocado num tamborete byzantmo,
— Foi aqui, respondeu ella mostrando um
angulo do vasto aposento... minha irmã e
eu tinhamo-nos refugiado detrás desse jau-
teuil...
— A senhorita não me disse nunca que
tinha uma irmã!
— Digo-lh’o agora. Morreu, em Constan
tinopla... Lançaram-n’a no Bosphoro.
— No Bosphoro ?
— Sim, num sacco de couro, parece... O
meu amigo comprehende... Não temos a cer
teza... Contaram-nos isso. Pobre Irene!... Por
que é que me está olhando assim ? Lem
bra-se, o anno passado, da visita que eu re
cebi, na Pitié, de Athanase Khetew...
•— Oh ¡ Lembro-me perfeitamente da visita
do Huno...
— Foi essa... Ia dar-me parte da morte de
minha irmã. Eu tomei, então, luto.
— Mas... Ainda se lançam mulheres no Bos-
OE£> OS MODERNOS FOGOS DE ARTIFICIO
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Beltissimo effeito pyrotechnico obtido durante uma festa recentemente realizada em Versalhes.
ao lado dos despojos manuaes do illustre
morto...
Abnu-o com uma pequena chave.
— As recordações de minha mãe estão aqui
dentro, disse ella.
E tirou, sem emoção apparente, mas de
pois de as haver beijado devotamente, algu
mas reliquias... pannos de velha seda... um
par de luvas... luvas compridas brancas, to
das manchadas de atrozes nodoas amarellas...
— Vieja, estas luvas! Pobre mamãe!... Po
bre mamãe!... Veja!... E o vestido que ella ti
nha, essa noite... Vestira-se magníficamente...
Dèvia haver festa em casa, com certeza... Veja
° vestido... em que estado... os bandidos... Pre
ciso dizer-lhe que elles arrastaram mamãe pelo
vestido até á janella... quando a matarám...
Queriam lançar-lhe o cadiaver á populaça. Mi
nha irmãzmha e eu, porém, gritámos, como
80 póde imaginar.
— C quê ? A senhorita estava lá ?
phoro, mettidas em sáceos de couro ?
— Oh! Foi ha oito annos, e nós só o sou
bemos o anno passado... Comprehende... Não
mandam cartas de participação.
De certo, Ivana não brincava pronunciando
essa extraordinaria e inesperada phrase. Es
tava agora por detrás do fauteúil, aquelle
mesmo que a tinha occultado, por instantes,
aos olhos dos assassinos quando ella tinha
seis annos.
— Que scena, amiguinho, que scena! Tí
nhamos vindo com a nossa velha aia russa
para admirar a toilette de mamãe. A velha
creada também foi assassinada. Foi num' mo
mento... Ouça... Stamboulov, valente como as
armas, não tomava precaução alguma. Em
15 de julho de 1895, saiu, pelas oito horas,
do Union Club, com Petkof e !meu pae subia
na carruagem para ir para casa, quando os
assassinos se lançaram sobre Stamboulov e
sobre meu pae e os acabaram a punhal e â