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PELO MUNUU...
Aquillo era um drama sern nOrne. Os hor
tos, as casinhas, as pequenas Leiras de terra,
onde se haviam fundado appellidos e ge
rações, naufragavam no fundo total, na pro
priedade ímmensa. E via-se um queimar de
i¡ cercas, um quebrar de taipas e um 'machadar
| ae arvores ali plantadas como deidades per
manentes. Sobre as ruinas dos lares elevava-
j se a casa e a herdade de um só dond. E
as escripturas que sempre viajavam juntas
de geração em geração, íntegras, desappare-
5 ciam agora nas mãos de uro unu». Como
| evitar isso ? Se alguém resistia, bastava man
dar elle cortar a agua e lá seccava tudo,
t cabendo por fim a victoria ao senhor feudal.
Em todo o Logar só esses dois pobres
velhos haviam podido resistir, e a herança
de João Paulo mantinha-se, portanto, incó
lume, inteira. Mas chegaria, afinal, urrí día.
pensaram elles, em que o senhor, extremando
a sua táctica, triumpharla, e a casinhá e o
horto iriam, como tantos outros, a não ser
nada no todo sem alma do rico proprie
tário.
III
Certa manhã, ao cabo de muitos soffri-
mentos, cantou por fim o «bemi-te-vi», na
figueira da entrada. A ave, paranympho que
A presença de João Paulo, longe de ame
drontar o homem 1 rico, atiçou-lhe o orgu
lho. O senhor feudal fez mais hábil a sua
táctica de latrocinios e despojos, amparado
ou não pela leí e proipoz-se como nunca
vencer a fortaleza.
Logo da primeira vez que a agua deixou
de cantar a sua copla de amor, João Paulo
dispoz-se loga a ir procurar o malvado, mas
a agua voltou depressa a encher de ru
mares a casa e a chacara. Antes assim...
Vinte dias depois, pertenceu de novo a
agua a João Paulo para .a rega das suas
coisas. Mas logo desde manhã houve con
trariedades. A agua não se apresentava bem.
Demorou mais que de costume. Passava das
doze quando o amo houve por bem soltar
a agua, e ainda João Paulo mal acábâvá de
regar o primeino canteira, já a agua afrouxava
em volume para ir extinguindo o rumor,
cada vez mais leve, mais agonizante na tarde
profunda. Quem lhe cortava assim- a agua ?
Cravou no chão a pá e subiu na taipa meeira
a vêr. O amo estava ahi, sorridente, orgu
lhoso da sua obra, rodeado de tres cachorros
de caça.
João Paulo hão teve medo. Increpou-o:
— Por que me desviou o regueiro ?
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— Ah ! O campo ! Quando o vejo pego logo nos Ella — O melhor é voltarmos . . . Afinal de
pincéis .. . contas basta ver uma onda para ver todas. . .
—Pois fazia melhor se pegasse numa enxada . . .
dá boas noticias não se enganou, e, poucos
dias depois, chegava llm mocetão alto, de
bella apparencia, de passo garboso e donaire
militar. Era João Paulo que volitiva, bem
temperados o braço e a alma no serviço
da patria. Confundlram-se os tres num só
abraço, e todos choraram, talvez as- suas
últimas lagrimas os velhos, talvez -as pri
meiras o moço.
JoãO Paulo- fez sentarem-se-lhe nos joelhos
pae e mãe, como fazèm os pastores com
Os filhmhos quando ao fim de suas ausen
cias voltam das serras.
E foi então a revelação, a amarga confi
dencia. Soube o viajante* das noites-'frias e
dos vexames soffridos por seus velhos. Soube
também 1 como, os seus vismhos de outros
tempos foram' entregando ao amo as pe
quenas parcellas- de terras, a sagrada herança
dos avós. t
E por suas arterias passou um sopro de
vingança;.. -
— Deixem-n’o commigo... Eu o ensinarei.
— Porque a agua é minha.
— E minha também 1 .
As palavras foram subindo de tom. Troca
ram-se insultos e ameaças, e os dois se atra
caram a murro. Em- meio da luta, os ca
chorros atiraram-se a J-Oão Paulòl e o sangue
moço jorrou a torrentes. Então, Impedido
pela dôr e a vingança deu um salto á gar
ganta do malvado, apertou, apertou, e es
trangulou-o. Arrastou depois o corpo morto
pelo regueiro, desfez o desvio da agua que
se despenhou oom força e alegria selvagens
na chacara de João Paulo, cantando um
hymno de liberdade e justiça.
Cesar Carriço
Em regra geral, as mulheres, no inverno,
usam roupas, que pesam 9 kilogrammas, ao
passo que a -roupa dos hdmens, na mesma es
tação, pesa 7 kilogrammas e meio.