Full text: 4.1925=Nr. 11 (1925000411)

101 —— 
Dezembro de 1925 
PELO MUNDO... 
A DESFORRA DO “H A BIT VERI” 
O Sr. R. de Flers escarneceu da Academia, 
a Academia elegeu o Sr. de Flers: Judo se 
concilia entre gente de espirito, e isto nos 
valeu este brilhante artigo, em que o autor 
declfira que escarnecer da Academia é tam 
bém uma maneira de lhe rerider home 
nagem. 
Esta desforra eu a offereci benevolamente 
ao Habit Veri e devo confessar que desejei 
ardentemente vêl-o acoeitala. Quando o meu 
caro Caillavet e eu fizemos o projecto de 
escrever uma comedia em que a Academia 
representaria o principal pa 
pel, amigos nossos, informa 
dos das nossas intenções, nos 
fizeram certas admoestações 
onde se percebia, a par duma 
gentil benevolencia, diversos 
outros sentimentos pouco de 
accordo com ella. 
«Cuidado, durante algumas 
semanas vocês se distrairão 
escrevendo varias 
dessas scenas... e 
mais tarde ellas lhes 
poderão trazer abor 
re .¡mentos... E quem 
sabe se o publico 
achará graça nel- 
las ?... o publico 
não conhece a Aca 
demia, nem os seus 
manejos, nem as 
suas pequenas intri 
gas... Dez por cento 
dos espectadores 
nunca terão assis 
tido a uma recepção 
sob a cupula... Nes 
tas condições, só dez por cento dos espe 
ctadores se divertirão com o espectáculo que 
vocês preparam. E depois... lembrem-se da 
estatua de Bossuet no Variedades... Seria 
quasi um pequeno sacrilegio, e um pequeno 
sacrilegio não é coisa divertida; seria logo 
um fiasco... Eu, se digo isto é no interesse 
de vocês. Reflictam bem sobre ás minhas 
observações, que vale a pena...» 
Nós não reflectimos... e escrevemos a 
P^ça. 
Ora, precisamente o publico que a . foi 
vêr durante varias centenas de representa 
ções encontrou sobretudo a occasião que 
ninguém nunca lhe proporcionára de assistir 
a uma recepção na Academia franceza. 
Todos os esforços tinham sido empregados 
para que a mise en scène désse uma idéa, 
a mais precisa possível, da cerimonia usada 
no Instituto. Fernand Samuel empregara nisso 
toda a sua habilidade scemca. Assim que 
a peça ficou mais ou menos no ponto de 
ser ensaiada sem grandes e frequentes in 
terrupções, fomos vêl-a; foi um desastre. Os 
dois primeiros actos nos deram a impressão 
de conter realmente um pouco de fantasia 
e de graça. Mas o terceiro acto, o da re 
cepção, era sinistro. Logo que o ensaio 
acabou, Samuel nos convocou a ambos no 
seu gabinete e nos recebeu com uma des 
compostura affectuosa mas terrível. 
— Ah, meus filhos, gritou elle, vocês fi- 
zeram-na bonita! Mas é mortífero', é de ma 
tar de tédio! O discurso de vocês é enfa 
donho como um discurso verdadeiro. Dum 
tamanho capaz de fazer fugir os mais pa 
cientes. Quando alguém vae ao Instituto, não 
vae para se divertir, vae prevenido e re 
signado. Não tem que se queixar de nin 
guém. Mas que diabo! quem vem ao. Va 
riedades vem para se divertir. E dizer que 
vocês levaram um anno a preparar esta 
estopada! Não se faz 
uma coisa assim! Eis 
aqui o que acontece a 
quem se lembra de fal 
tar com' o respeito ás 
grandes inslituições e 
ao Theatro de Varie 
dades, porque, afinal* 
esta casa foli e é alndo 
a casa de Meilhac, de 
Halévy, de Lavedan, 
de Dounay, de Ca 
pias... Que dirão 
elles ?» 
Nessa tarde Sa 
muel não tornou a 
vociferar. No dia 
seguinte, porém, nós 
ambos, a-mados dum 
lapis azul operato 
rio, praticavamos 
grandes cortes. O 
discurso foi redu 
zido a proporções 
menores. Corlamos 
varios trechos que 
nos tinham divertido 
¡inmensamente quando os escrevemos. Diver- 
timo-nos lendo-os uma ultima vez em voz 
alta para nós mesmos e rimo-nos ainda 
muito. 
Samuel, perspicaz como sempre, tivera rg- 
zão e dois dias mafls tarde o mesmo quadro 
alliviado e cortado tomou outro aspecto e 
outra graça. Mas foi-nos uma bôa lição. 
Apresso-me a declarar — é um piedoso 
dever — que os acadêmicos que se dignaram 
assistir a nossa comedia, se divertiram ou- 
vindo-a, ou mostraram que estavam se di 
vertindo, o que é ainda maior amabilidade. 
Muitos não. hesitaram em rir francamente e 
outros sorriram. 
Devo confessar que nós os observavamos 
com uma grande curiosidade. 
— Senhores, nos avisava um contrôleur, ha 
um acadêmico na sala. 
A’s vezes era verdade. Escondidos em um 
canto do corredor, nós observavamos com 
attençâo o espectador indicado. Cheguei mes 
mo um dia a esbarrar no corredor '.com 
um homem de Estado —■ ímmortal — que 
com grande amabilidade me estendeu a mão. 
Foi depdis do quadro que representa a 
recepção, em 1 seguida ao terceira acto. 
— E’ muito interessante, disse-me elle; 
peço-lhe que acceite os meus parabéns. Os 
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