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PELO MUNDO...
Outubro de 1926
em Marrocos e na Asia Menor. E no que
tinha debaixo dos olhos, reconhecia a dis
posição única daquellas estranhas e tugubres
encruzilhadas.
Aquella disposição consistia numa série de
pilares que, quasi sempre, sustinham a abo
bada duma galeria quadraingular, á sombra
da qual se agrupava e mexia a mercadoria
humana. Mas quando não ha galeria, 03 pi
lares, quadrados e grossos, apparecem da
mesmo modo. E’ em torno delles que os
lotes cie escravos se agrupavam putr’ora,
arrebanhados a chicote. Agora, que a venda
de escravos se fazia com a maior discreção,
mesmo nos pontos mais afastados do mundo
musulmano, e quasi sempre fóra do mer
cado, os pilares são apenas considerados ob-
jectos históricos.
Na karakoulé, comtudo, o mercado servia
ainda, pois Roule-
tabille, do alto
do seu
torio, não tardou
a vêr apparecer,
á esquerda e á
direita, dois gru
pos de pessoas,
ou antes, dois re
banhos humanos
que saíram de
dois refugios ro
manos, escuros e
baixos, cavados
nos mureis e cujas
grades acabavam
de ser abertas
por servlçaes.
Ao mesmo tem
po, surgiram em
s c e in a , acompa
nhados de alguns
officiaes, Gaulow
e o eunucho Kas-
beck. Gauloiw es
tava de preto,
como na vespera.
Trazia uma gran
de espada e, de
vez em quando, apoiava-se sobre ella
com as duas mãos, comío 03 carrascos das
gravuras antigas. Kasbeck estava todo de
branco, como já o vimos. Acabava de
se apear da mtila e parecia muito irritado,
contrariado com o que lhe dizia o pachá do
Castello Negro.
Para que os dois chegassem a discutir
assim em publico e para que um eunucho
da educação de Kasbeck deixasse transparecer
tão ostensivamente o seu m'áo humor era pre
ciso que a causa da disputa fosse bem im
portante.
Rouletabüle sentia um desejo enorme de
ouvir o que elles diziam. Mais uma vez a
sorte o favoreceu. Para não serem compre-
hendidos, sem duvida, pelos que aUi es
tavam, Kasbeck e Gaulow discutiam em
francez. Algumas palavras chegaram até 03
ouvidos do repórter, que julgou comprehen-
der que o eunucho se recusava a fechar um
negocio que não lhe convinha.
Em vão Gaulow tentava attrair a attenção
de Kasbeck para o lado das galerias onde
03 serviçaes acabavam de enfileirar um lote
de bellas escravas que se apresentavam de
rosto desooberto, sorrindo com os dentes
muito brancos e 00m o olhar brilhante. Es
tavam vestidas quasi todas de tecidos de da
masco e musselina de Broussa e muito gar
ridas.
Naturalmente, nem todas podiam ser oda
liscas, pois são precisas muitas coisas para
isso e qualidades que não se adqiuirem sem
uma grande força de vontade nem sem um
lidbáiho prolongado, mas muitas deflas ser
viam para escravas das casas importante^
e para o logar de kjafakadine, (primeira
C£P',a de companhia); er a m também apro
veitáveis para haznadarous‘a (thesoureira) as
que sabiam contar. Era isso, de resto, o
que ellas queriam e o qiue Ih’as tinham
promettido ao compral-as aos paes na Cir-
cassia, entre os Kurdos, e nas planicies da
Anatolia.
As raptadas eram as mais raras e proce
diam quasi todas da alta Armenia.
A boa vontade das escravas e o futuro
com que lhes tinham acenado dava-lhes Um
ar quasi alegre, Rouletabüle, que vira os
tristes cortejos dos mercados do Atlas, na
Mauritana, não sentia agora a mesma sen
sação de angustia, de revolta e piedade
com que o ¡abalaba o espectáculo do rebanho
humano. 1
Emquanto isso, Kasbeck cada vez mais
teimoso, continuava a não querer dar ou
vidos a nada.
— Tenho tudo o que o senhor precisa!
dizia Gaulow com surprehendente paciencia
e tentando seduzir o hospede pela doçura...
Já tomei as providencias...
— Ora, ora, ora! Deixe-me tranquillo! ros
nava Kasbeck, enxugando o rosto vermelho
e banhado de suor...
— Duas pequenas de Monktara...
— Nem de Monktara, nem doutra parte.
observa-
N.
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era um sujeito de estatura gigantesca, montado numa mula.