Full text: 6.1927=Nr. 9 (1927000609)

- 94 — 
PELO MUNDO.. 
Outubro de 1927 
pontada do que a que se via na cara delle. 
Nem trocou cumprimentos [ 
— Falaste com elle ? perguntou Bendyshe; 
e accrescentou: pobre homem, não ha re 
medio para seus males. Então tiveste a im 
pressão do seu desapontamento ? 
— Realmente, disse eu, a ponto de não 
comprebender como tiveste ¡oração para ne 
gar. Gostaria de saber a sua historia. 
Bendyshe fixou-me silenciosamente e pa 
receu-me que me achava indiscreto. Des 
culpei-me. 
— Meu Deus; não se trata disso, disse 
Bendyshe, mas o homem não sabe o que 
quer, oú, pelo menos, eu não sei o que 
elle quer; só quando o descobrir saberei o 
que fazer. 
Bendyshe nessa noite mostrou-se dum modo 
estranho. Parecia estar prestes a descobrir 
um segredo, e que já triumphava. 
Depois do jantar fomos jogar. 
A’ meia noite deitámo-nos. Quando che 
gámos á escada, Bendyshe disse: 
— Foi aqui que encontraste o meu pobre 
amigo ? Que caminho tomou elle ? 
— Desceu as escadas, disse eu, e perdi-o 
de vista. 
— Elle deve ter tomado o caminho dos 
fundos da casa, disse Bendyshe. Mas o que 
é isso ? 
Voltou-se de repente. A porta que dava 
para o quarto desmobiliado estava aberta, 
e a lua illuminava o chão e a parede. 
— Que diabo é isso ? disse Bendyshe, muito 
irritado. Entremos para vêr o que é. Al 
guém andou por aqui. 
Dirigiu-se para o quarto, mas eu sentia 
uma insupportavel relutância para entrar nelle. 
— Preciso ter este quarto fechado a chave, 
disse Bendyshe comsigo mesmo. Tudo isso 
é novidade. 
Acompanhei-o ao quarto, sentindo repen 
tinamente necessidade de companhia. Elle ti 
nha-se abaixado e examinava qualquer coisa 
no chão. Approximei-me e vi que a cal 
do tecto tinha caido, e olhando para cima 
via-se uma abertura irregular no tecto; mas 
confesso que o que me apavorou foi a ex 
traordinaria parecença da figura que a cal 
fazia no chão com uma cara desesperada. 
Logo vi que era uma parecença accidental 
e que Bendyshe desmanchára com o pé. 
Elle foi até o meu quarto e disse-me al 
gumas palavras affectuosas. Percebi que elle 
queria desfazer a minha má impressão. Dei- 
tei-me, e, quando menos o esperava, tendo 
sido a noite tão agitada, adormeci profunda 
mente. 
A manhã seguinte estava insupportavel de 
calor. Bendyshe esteve muito alegre durante 
o almoço. Disse ter mandado levar cadeiras 
para debaixo das arvores. Tinha trazido da 
villa livros novos que haviam de me in 
teressar. E fomos para fóra, para onde havia 
uma mesa, duas cadeiras e uma pilha de 
livros. 
Eu estava absorvido no meu livro, quando 
uma repentina exclamação de Bendyshe, 
traindo uma pungente emoção, me fez le 
vantar os olhos. Bendyshe, inclinado para 
deante; fixava a frente da casa. Na japella 
fechada do quarto solitario, plenamente vi- 
sivel e ¡Iluminada pelo sol, estava um ho 
mem olhando para o jardim. Parecia um 
homem edoso, de cabellos grisalhos e de 
rosto vermelho e empapuçado. Vestido com 
uma especie de avental meio sujo, mostrava 
os braços nús até ao cotovelo. 
— Qu« é isso, que é isso ? exclamava Ben 
dyshe numa imdescriptivel agitaçãp. 
— Quer que eu lhe diga ? Ha de ser o 
pedreiro que veiu concertar o tecto; não 
ha motivo de espanto, disse eu. 
— Tem razão, tem razão, disse Bendyshe, 
com um gesto de allivio. 
Sentia-me sériamente apprehensivo com Ben 
dyshe, que parecia caminhar para a lou 
cura. Achei que devia ir quanto antes â 
casa do pastor. Voltei á casa, onde tudo era 
silencio. O velho creado punha a mesa na 
sala de jantar e eu lhe disse: 
— Se o sr. Bendyshe perguntar por mim, 
diga que fui á villa e não me demoro. 
Cheguei á casa dd pastor e logo fui admit- 
tido no escrjptorio. O pastor recebeu-me calo 
rosamente. 
— Esperava a sua visita, sr. Hartley, disse 
elle. Receio que tenha descoberto estar num 
logar extraordinario, e não me surpirehendi 
com a sua visita. 
Sentei-me e comtei-lhe o incidente da ma 
nhã e da vespera. Elle ouviu-me com gra 
vidade, depois disse-me: 
— Não posso dar-lhe esclarecimentos sobre 
o que esta acontecendo, pois que estou preso 
á promessa que fiz ao sr. Bendyshe. Mais 
o importante é que posso lhe garantir que 
elle está são do juizo. Devo-lhe dizer que 
Bendyshe precisa muito do seu auxilio. E, 
apezar do pouco que o conheço, acho que 
elle o escolheu bem. Mas se tem medo, 
irei comsigo a Manor-House e insistirei para 
que se liberte de qualquer obrigação, e Ben 
dyshe me attendera. 
— Não, respondi, uma vez certo da sani 
dade de Bendyshe, não desejo deixal-o; elle 
terá todo o auxilio que lhe puder dar; mas 
não vejo como. 
Quando eu partia, o pastor disse-me: 
— Incommodal-o-ia levar uma carta minha 
a Bendyshe ? Irei mais tarde falar com elle 
sobre isto, mas elle precisa destas noticias 
quanto antes. 
— Com todo o prazer, respondi eu. 
O pastor escreveu algumas palavras numa 
folha de papel, fechou-a num enveloppe e 
entregou-m’a. 
Quando voltei, encontrei o lunch na mesa 
e Bendyshe andando no hall, evidentemente 
em grande excitação. Estendi-lhe a carta e 
dei-lhe o recado do pastor. Elle rasgou o 
enveloppe, leu o conteúdo e um grito de 
surpresa, e ao mesmo tempo de satisfação, 
escapou-lhe dos labios. Depois olhou para 
mim, desoontente, procurando o meu olhar. 
— Então foste procurar o pastor ? disse elle. 
Poderás dizer-me sobre o que desejaste fa 
lar-lhe ? 
— D e bôa vontade, repliquei; tive a im 
pressão esta manhã de que presenciava um 
negocio muito jnysterioso; e não me san tia 
bem. Como confio no pastor, fui fazer-lhe 
algumas perguntas. 
Bendyshe pousou sua faca e garfo e to 
cava piano na mesa.
	        
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