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PELO MUNDO..
Outubro de 1927
pontada do que a que se via na cara delle.
Nem trocou cumprimentos [
— Falaste com elle ? perguntou Bendyshe;
e accrescentou: pobre homem, não ha re
medio para seus males. Então tiveste a im
pressão do seu desapontamento ?
— Realmente, disse eu, a ponto de não
comprebender como tiveste ¡oração para ne
gar. Gostaria de saber a sua historia.
Bendyshe fixou-me silenciosamente e pa
receu-me que me achava indiscreto. Des
culpei-me.
— Meu Deus; não se trata disso, disse
Bendyshe, mas o homem não sabe o que
quer, oú, pelo menos, eu não sei o que
elle quer; só quando o descobrir saberei o
que fazer.
Bendyshe nessa noite mostrou-se dum modo
estranho. Parecia estar prestes a descobrir
um segredo, e que já triumphava.
Depois do jantar fomos jogar.
A’ meia noite deitámo-nos. Quando che
gámos á escada, Bendyshe disse:
— Foi aqui que encontraste o meu pobre
amigo ? Que caminho tomou elle ?
— Desceu as escadas, disse eu, e perdi-o
de vista.
— Elle deve ter tomado o caminho dos
fundos da casa, disse Bendyshe. Mas o que
é isso ?
Voltou-se de repente. A porta que dava
para o quarto desmobiliado estava aberta,
e a lua illuminava o chão e a parede.
— Que diabo é isso ? disse Bendyshe, muito
irritado. Entremos para vêr o que é. Al
guém andou por aqui.
Dirigiu-se para o quarto, mas eu sentia
uma insupportavel relutância para entrar nelle.
— Preciso ter este quarto fechado a chave,
disse Bendyshe comsigo mesmo. Tudo isso
é novidade.
Acompanhei-o ao quarto, sentindo repen
tinamente necessidade de companhia. Elle ti
nha-se abaixado e examinava qualquer coisa
no chão. Approximei-me e vi que a cal
do tecto tinha caido, e olhando para cima
via-se uma abertura irregular no tecto; mas
confesso que o que me apavorou foi a ex
traordinaria parecença da figura que a cal
fazia no chão com uma cara desesperada.
Logo vi que era uma parecença accidental
e que Bendyshe desmanchára com o pé.
Elle foi até o meu quarto e disse-me al
gumas palavras affectuosas. Percebi que elle
queria desfazer a minha má impressão. Dei-
tei-me, e, quando menos o esperava, tendo
sido a noite tão agitada, adormeci profunda
mente.
A manhã seguinte estava insupportavel de
calor. Bendyshe esteve muito alegre durante
o almoço. Disse ter mandado levar cadeiras
para debaixo das arvores. Tinha trazido da
villa livros novos que haviam de me in
teressar. E fomos para fóra, para onde havia
uma mesa, duas cadeiras e uma pilha de
livros.
Eu estava absorvido no meu livro, quando
uma repentina exclamação de Bendyshe,
traindo uma pungente emoção, me fez le
vantar os olhos. Bendyshe, inclinado para
deante; fixava a frente da casa. Na japella
fechada do quarto solitario, plenamente vi-
sivel e ¡Iluminada pelo sol, estava um ho
mem olhando para o jardim. Parecia um
homem edoso, de cabellos grisalhos e de
rosto vermelho e empapuçado. Vestido com
uma especie de avental meio sujo, mostrava
os braços nús até ao cotovelo.
— Qu« é isso, que é isso ? exclamava Ben
dyshe numa imdescriptivel agitaçãp.
— Quer que eu lhe diga ? Ha de ser o
pedreiro que veiu concertar o tecto; não
ha motivo de espanto, disse eu.
— Tem razão, tem razão, disse Bendyshe,
com um gesto de allivio.
Sentia-me sériamente apprehensivo com Ben
dyshe, que parecia caminhar para a lou
cura. Achei que devia ir quanto antes â
casa do pastor. Voltei á casa, onde tudo era
silencio. O velho creado punha a mesa na
sala de jantar e eu lhe disse:
— Se o sr. Bendyshe perguntar por mim,
diga que fui á villa e não me demoro.
Cheguei á casa dd pastor e logo fui admit-
tido no escrjptorio. O pastor recebeu-me calo
rosamente.
— Esperava a sua visita, sr. Hartley, disse
elle. Receio que tenha descoberto estar num
logar extraordinario, e não me surpirehendi
com a sua visita.
Sentei-me e comtei-lhe o incidente da ma
nhã e da vespera. Elle ouviu-me com gra
vidade, depois disse-me:
— Não posso dar-lhe esclarecimentos sobre
o que esta acontecendo, pois que estou preso
á promessa que fiz ao sr. Bendyshe. Mais
o importante é que posso lhe garantir que
elle está são do juizo. Devo-lhe dizer que
Bendyshe precisa muito do seu auxilio. E,
apezar do pouco que o conheço, acho que
elle o escolheu bem. Mas se tem medo,
irei comsigo a Manor-House e insistirei para
que se liberte de qualquer obrigação, e Ben
dyshe me attendera.
— Não, respondi, uma vez certo da sani
dade de Bendyshe, não desejo deixal-o; elle
terá todo o auxilio que lhe puder dar; mas
não vejo como.
Quando eu partia, o pastor disse-me:
— Incommodal-o-ia levar uma carta minha
a Bendyshe ? Irei mais tarde falar com elle
sobre isto, mas elle precisa destas noticias
quanto antes.
— Com todo o prazer, respondi eu.
O pastor escreveu algumas palavras numa
folha de papel, fechou-a num enveloppe e
entregou-m’a.
Quando voltei, encontrei o lunch na mesa
e Bendyshe andando no hall, evidentemente
em grande excitação. Estendi-lhe a carta e
dei-lhe o recado do pastor. Elle rasgou o
enveloppe, leu o conteúdo e um grito de
surpresa, e ao mesmo tempo de satisfação,
escapou-lhe dos labios. Depois olhou para
mim, desoontente, procurando o meu olhar.
— Então foste procurar o pastor ? disse elle.
Poderás dizer-me sobre o que desejaste fa
lar-lhe ?
— D e bôa vontade, repliquei; tive a im
pressão esta manhã de que presenciava um
negocio muito jnysterioso; e não me san tia
bem. Como confio no pastor, fui fazer-lhe
algumas perguntas.
Bendyshe pousou sua faca e garfo e to
cava piano na mesa.