Full text: 7.1928=Nr. 11 (1928000711)

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Dezembro ite 1928 
PELO MUNDO... 
O homem que tudo achava 
— Conto de — 
Malba Tahan 
Ao sahir do Leão Dourado, a ultima hos 
pedaria de Paleldn, fiz conhecimento com 
u m cavalheiro alto, de barba loura, que devia 
f e '' o meu companheiro de viagem durante o 
(longo e fatigante trajecto até S. Petersburgo. 
Chamava-se Sergio Navensk e era natu- 
ral de Moscow. 
— O senhor também nasceu em Moscow? 
perguntou-me elle de repente, quando já 
íamos a caminho pela estrada d:i Vogt. 
Respondi-lhe que não. E comecei a contar. 
; > então, comb se falasse a um velho amigo, 
toda a historia da mi 
nha vida, desde a mi 
nha infanda attribula- 
da em VIadivoistok, até 
mesmo ás minhas ulti 
mas aventuras, com os 
bandidos vermelhos do 
Japão. 
O meu companheiro 
parecia ouvir, cheio de 
in.e r esse, as façanhas e 
peripecias que eu lhe 
contava, mas, de quan 
do em vez, interrom 
pendo delicadamente a 
ntinha narrativa, dizia- 
me : Com licença ! e, pa 
rando um momento, 
abaixava-se p a ra apa 
nhar do chão um ob 
jeto qualquer. 
. A principio não dei 
importancia a esse fa- 
ct °, mas a s ua repeti- 
Çao constante começou 
a chamar a minha at- 
tenção. 
Reparei, então, que l 
meu curioso companhei- 
0 er a de umia sorte incrível para acha r 
nbjectos perdidos; pude observar que, em 
menos de uma hora, achara duas carteiras 
C( ^n documentos, tres auneis, uma corrente 
de relogio, cinco ou seis moedas, varias 
chaves e outros objectos de menor vaIor. t 
— E’ incrível! pensava eu, como pode 
sse homem achar tanta coisa, emquanto que 
> por mais que arregale os olhos, não 
consigo acha r uma simples ferradura? 
Devia ser naturalmente algum dom. extra 
ordinario que o cavalheiro da barba Iou*> 
Possuía, e que lhe facultava a posse de todos 
os objectos perdidos do mundo. Ao vêl o, 
finalmente, a r rancar do meio da areia da 
Çstrada um lindo collar de contas averme 
lhadas, não me contive e 
observei ,com um sorriso de 
inveja: 
—-Nunca vi sorte como a 
sua para achar objectos per 
didos ! 
— Não é questão de sorte, 
mea amigo, respondeu-me 
Sérgio Navensk, trata-se ape 
nas de uma simples habi 
lidade que possuo, e que 
consegui adquirir com o au- 
b 
7 
xilio de seis alfinetes durante o tempo «m 
que estive preso 1 
— Que tamanha sorte possa provir de uma 
simples habilidade, é já para muito admirar 
se. Que esse predicado, porém, lhe advenha 
de seis alfinetes, é quasi inverosímil! 
— Pois é a pura verdade, replicou elle, 
fleugmatico. E’ a pura verdade. 
E querendo satisfazer a minha não pe 
quena curiosidade, marrou-me, então, o se 
guinte : 
— Quando eu tinha vinte annos, mais ou 
menos, influenciado por 
alguns companheiros da 
Universidade, tomei par 
te numa conspiração 
contra o governo impe 
rial. Inútil será dizer 
que os nossos planos fo 
ram 1 descobertos e que 
todos os conspiradores 
foram presos. Graças á 
intervenção de um rico 
fidalgo, muito amigo de 
minha familia, livrei-me. 
de ser fuzilado. Con- 
demnaram-me, ainda as 
sim, a quinze annos de 
prisão em Moscow. Nos 
primeiros mezes de cár 
cere fui torturado por 
um tedio horrível. Não 
tinha que fazer durante 
o dia inteiro. Passava 
horas e horas, estupi 
damente sentado em uma 
lagea do presidio, es- 
cogitando um meio 
qualquer de distrahir- 
me, nalguma coisa com 
que me occupar. Um 
dia, afinal, descobri seis alfinetes na minha 
roupa. Ajuntei-os na palma da mão, e puz- 
me a reflectir sobre o que faria com elie s 
quando, distrahindo-me, deixei cahil-os no 
chão. Este incidente, que noutras circums- 
tanciãs seria trivial, suggeriu-me um passa 
tempo excellente — procurar os alfinetes.! 
E assiml, depois de reunil-os na mão, fe 
chava os olhos e atirava-os a esmo para 
o ar. Isto feito punha-me a procúral os, 
e não descansava emquanto não os tinha 
apanhado um por um. Repeti essa proeza 
uma ou mais vezes por dia durante os quinze 
annos em que estive preso. A distrahir-me 
assim 1 , desenvolveu-se em mim um 1 golpe de 
vista extraordinario que me proporciona hoje 
a habilidade de descobrir os 
menores objectos perdidos. 
E sorrindo á minha es- 
tupefaeção, o antigo prisio 
neiro do Tsar acerescentou: 
— Hoje vivo exclusivamen 
te dessa habilidade que ad 
quiri na prisão de Moscow. 
Tenho, em S. Petersburgo 
uma grande agencia de Acha 
dos e perdidos, que presta
	        
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