- 103 -
Dezembro ite 1928
PELO MUNDO...
O homem que tudo achava
— Conto de —
Malba Tahan
Ao sahir do Leão Dourado, a ultima hos
pedaria de Paleldn, fiz conhecimento com
u m cavalheiro alto, de barba loura, que devia
f e '' o meu companheiro de viagem durante o
(longo e fatigante trajecto até S. Petersburgo.
Chamava-se Sergio Navensk e era natu-
ral de Moscow.
— O senhor também nasceu em Moscow?
perguntou-me elle de repente, quando já
íamos a caminho pela estrada d:i Vogt.
Respondi-lhe que não. E comecei a contar.
; > então, comb se falasse a um velho amigo,
toda a historia da mi
nha vida, desde a mi
nha infanda attribula-
da em VIadivoistok, até
mesmo ás minhas ulti
mas aventuras, com os
bandidos vermelhos do
Japão.
O meu companheiro
parecia ouvir, cheio de
in.e r esse, as façanhas e
peripecias que eu lhe
contava, mas, de quan
do em vez, interrom
pendo delicadamente a
ntinha narrativa, dizia-
me : Com licença ! e, pa
rando um momento,
abaixava-se p a ra apa
nhar do chão um ob
jeto qualquer.
. A principio não dei
importancia a esse fa-
ct °, mas a s ua repeti-
Çao constante começou
a chamar a minha at-
tenção.
Reparei, então, que l
meu curioso companhei-
0 er a de umia sorte incrível para acha r
nbjectos perdidos; pude observar que, em
menos de uma hora, achara duas carteiras
C( ^n documentos, tres auneis, uma corrente
de relogio, cinco ou seis moedas, varias
chaves e outros objectos de menor vaIor. t
— E’ incrível! pensava eu, como pode
sse homem achar tanta coisa, emquanto que
> por mais que arregale os olhos, não
consigo acha r uma simples ferradura?
Devia ser naturalmente algum dom. extra
ordinario que o cavalheiro da barba Iou*>
Possuía, e que lhe facultava a posse de todos
os objectos perdidos do mundo. Ao vêl o,
finalmente, a r rancar do meio da areia da
Çstrada um lindo collar de contas averme
lhadas, não me contive e
observei ,com um sorriso de
inveja:
—-Nunca vi sorte como a
sua para achar objectos per
didos !
— Não é questão de sorte,
mea amigo, respondeu-me
Sérgio Navensk, trata-se ape
nas de uma simples habi
lidade que possuo, e que
consegui adquirir com o au-
b
7
xilio de seis alfinetes durante o tempo «m
que estive preso 1
— Que tamanha sorte possa provir de uma
simples habilidade, é já para muito admirar
se. Que esse predicado, porém, lhe advenha
de seis alfinetes, é quasi inverosímil!
— Pois é a pura verdade, replicou elle,
fleugmatico. E’ a pura verdade.
E querendo satisfazer a minha não pe
quena curiosidade, marrou-me, então, o se
guinte :
— Quando eu tinha vinte annos, mais ou
menos, influenciado por
alguns companheiros da
Universidade, tomei par
te numa conspiração
contra o governo impe
rial. Inútil será dizer
que os nossos planos fo
ram 1 descobertos e que
todos os conspiradores
foram presos. Graças á
intervenção de um rico
fidalgo, muito amigo de
minha familia, livrei-me.
de ser fuzilado. Con-
demnaram-me, ainda as
sim, a quinze annos de
prisão em Moscow. Nos
primeiros mezes de cár
cere fui torturado por
um tedio horrível. Não
tinha que fazer durante
o dia inteiro. Passava
horas e horas, estupi
damente sentado em uma
lagea do presidio, es-
cogitando um meio
qualquer de distrahir-
me, nalguma coisa com
que me occupar. Um
dia, afinal, descobri seis alfinetes na minha
roupa. Ajuntei-os na palma da mão, e puz-
me a reflectir sobre o que faria com elie s
quando, distrahindo-me, deixei cahil-os no
chão. Este incidente, que noutras circums-
tanciãs seria trivial, suggeriu-me um passa
tempo excellente — procurar os alfinetes.!
E assiml, depois de reunil-os na mão, fe
chava os olhos e atirava-os a esmo para
o ar. Isto feito punha-me a procúral os,
e não descansava emquanto não os tinha
apanhado um por um. Repeti essa proeza
uma ou mais vezes por dia durante os quinze
annos em que estive preso. A distrahir-me
assim 1 , desenvolveu-se em mim um 1 golpe de
vista extraordinario que me proporciona hoje
a habilidade de descobrir os
menores objectos perdidos.
E sorrindo á minha es-
tupefaeção, o antigo prisio
neiro do Tsar acerescentou:
— Hoje vivo exclusivamen
te dessa habilidade que ad
quiri na prisão de Moscow.
Tenho, em S. Petersburgo
uma grande agencia de Acha
dos e perdidos, que presta