Full text: 1.1915,2.Jun.=Nr. 1 (1915000101)

âpe™w 
A chá, e o aperitivo mais do que o 
^ chá, são de uso corrente na Europa. 
Um ou outro é de rigor em determi 
nados paizes : o chá, na Inglaterra ; b 
aperitivo, em França. 
Em França, « 1’heure du thé c’est 
Pheure oú Pon boit du ma- 
dère...», como explica um 
poeta mundano que teve em 
Paris alguma voga ha coisa de 
quatro ou cinco annos, «ou 
quelque álcool ardent qTm 
doux sirop modére », rima elle 
em seguida, e ajunta : «mais 
cette heure éclectique est celle 
aussi du thé». Nãò impede 
que se tome uma e outra 
coisa, atteridendo a que as 
horas que o Bom-Gosto esco 
lheu para a gente decente 
ingerir esses diversos exci 
tantes não coincidem, no que 
se deve louvar a sabedoria 
vamente. Que mal faz que se tenha 
tomado chá ás cinco — íive-ó-clock — 
ou que em vez de chá, por desfastio, 
se haja tomado um vinho estomacal ? 
Essa hora, a do aperitivo, chamou-se 
em França a « hora verde » — e é justa 
que,' mais ou menos snobs e mais ou 
menos alcoólatras, o trouxeram comsigo 
a par de outros gallicismos. Mas ha 
também os sincéros, manda a verdade 
que se diga, e que conseguiram, por 
fprça de té, contagiar muita gente que 
'm 
% 
Ufek 
do Bom-Gosto. Entretanto, ha quem 
os tome concomitantemente, maximé, 
havendo o pretexto de um inverno 
rigoroso a; neutralizar. Toma-se chá 
com rhum, com cognac, até mesmo com 
kirsch, o que parece mais extravagante. 
E não sómente em França, isso acon 
tece, mas na sabia e prudente Grã-Bre 
tanha, onde a hygiene é quasi um dever 
cívico e o sport um correctivo efficaz. 
Ninguém ignora que a moda do chá 
veio da Inglaterra, ou melhor, de Lon 
dres — como a do aperitivo veio de 
Paris, ou melhor, da França... 
Porque o aperitivo é tão «fatal » no 
boulevard des Italiens como na Canna- 
bière. A’s sete horas, desde a Flandres 
até ao Mediterrâneo e do Atlântico ao 
Jura, todo mundo ingére «pemod», 
« dubonnet », « vermouth », « picón », 
« madeira », « porto » ou tudo isso junto, 
ou cada um d’esses venenos successi- 
mente a hora azul, hora em que o ceu 
se desfaz no ar... 
A eclosão das luzes vae se reflectir 
nos líquidos glaucos, doirados ou ver 
melhos de diversas nuanças que se in- 
• gére aos poucos, emquanto se conversa 
e se fuma nas terrasses do «boulevard », 
á espera da hora de ir ao restaurant. E’ 
a hora das boas historias rabelesianas, 
narradas á gauleza, sob as gargalhadas 
salutares que preparam a boa digestão 
imminen te, que saccódem o figado, nul- 
lificando nelle os desgastos do alcool. 
No Rio, entretanto, ainda não se in 
veterou nenhuma dessas modas. Si já 
se vão precizando as horas de comer, o 
instante de beber ainda não se faz pre 
mente, nem se fixou ainda entre nós. 
Praticam-n’o já, embora sem fé, neste 
paiz sem tradições, esse acto de lithur- 
gia phisiologica, (ou pathologica ?) al 
guns «estragados que fizeram Paris» e 
ainda não passou a Linha 
para Oeste. 
O aperitivo é « praticado » 
no Rio entre a rua do Ou 
vidor e o Café Jeremias, pe 
las terrasses » da Avenida, 
na Paschoal da ma São José 
ou na Colombo. E’ muito 
mais rigoroso neste ultimo 
logar do que alhures. Ahi, 
vae-se até ao « oxigénée », o 
que é lamentável. O « picón », 
esse, « fait rage » na Colombo. 
E o chá? 
O chá foi o « Binóculo » 
que o fundou no Rio. O chá 
faz hoje parte da boa edu 
cação, das boas maneiras — mesmo 
entre aquelles que não o usaram antes 
dos dezoito annos. O chá já vae sendo 
lithurgico entre nós. 
A Cavé, a Lallet são-lhe cathedraes, 
e, entre os seus fieis, alguns muito dig 
nos, muito respeitáveis, muito britan- 
nicos, abundam uns jovens que fazem 
o Brandão, o Rabello, o Raunier, ar 
roxarem-lhes a parte media do tórax 
com uma facha exterior pregada ao 
ves ton que lhes empresta um aspecto 
pouco viril, corroborado pelas pomadas, 
os pós, os rouges e os bistres que lhes 
decoram o rosto quasi infantil. Em 
Paris—que elles pretendem imitar — 
seriam simplesmente injuriados, se 
apparecessem a tomar chá em outro 
logar que não em uma certa casa onde 
ha liindús servindo de «garçons», e que 
fica, si não me engano, na rua de Cas- 
tiglione. ANTONIUS
	        
© 2007 - | IAI SPK
Waiting...

Note to user

Dear user,

In response to current developments in the web technology used by the Goobi viewer, the software no longer supports your browser.

Please use one of the following browsers to display this page correctly.

Thank you.