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A chá, e o aperitivo mais do que o
^ chá, são de uso corrente na Europa.
Um ou outro é de rigor em determi
nados paizes : o chá, na Inglaterra ; b
aperitivo, em França.
Em França, « 1’heure du thé c’est
Pheure oú Pon boit du ma-
dère...», como explica um
poeta mundano que teve em
Paris alguma voga ha coisa de
quatro ou cinco annos, «ou
quelque álcool ardent qTm
doux sirop modére », rima elle
em seguida, e ajunta : «mais
cette heure éclectique est celle
aussi du thé». Nãò impede
que se tome uma e outra
coisa, atteridendo a que as
horas que o Bom-Gosto esco
lheu para a gente decente
ingerir esses diversos exci
tantes não coincidem, no que
se deve louvar a sabedoria
vamente. Que mal faz que se tenha
tomado chá ás cinco — íive-ó-clock —
ou que em vez de chá, por desfastio,
se haja tomado um vinho estomacal ?
Essa hora, a do aperitivo, chamou-se
em França a « hora verde » — e é justa
que,' mais ou menos snobs e mais ou
menos alcoólatras, o trouxeram comsigo
a par de outros gallicismos. Mas ha
também os sincéros, manda a verdade
que se diga, e que conseguiram, por
fprça de té, contagiar muita gente que
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do Bom-Gosto. Entretanto, ha quem
os tome concomitantemente, maximé,
havendo o pretexto de um inverno
rigoroso a; neutralizar. Toma-se chá
com rhum, com cognac, até mesmo com
kirsch, o que parece mais extravagante.
E não sómente em França, isso acon
tece, mas na sabia e prudente Grã-Bre
tanha, onde a hygiene é quasi um dever
cívico e o sport um correctivo efficaz.
Ninguém ignora que a moda do chá
veio da Inglaterra, ou melhor, de Lon
dres — como a do aperitivo veio de
Paris, ou melhor, da França...
Porque o aperitivo é tão «fatal » no
boulevard des Italiens como na Canna-
bière. A’s sete horas, desde a Flandres
até ao Mediterrâneo e do Atlântico ao
Jura, todo mundo ingére «pemod»,
« dubonnet », « vermouth », « picón »,
« madeira », « porto » ou tudo isso junto,
ou cada um d’esses venenos successi-
mente a hora azul, hora em que o ceu
se desfaz no ar...
A eclosão das luzes vae se reflectir
nos líquidos glaucos, doirados ou ver
melhos de diversas nuanças que se in-
• gére aos poucos, emquanto se conversa
e se fuma nas terrasses do «boulevard »,
á espera da hora de ir ao restaurant. E’
a hora das boas historias rabelesianas,
narradas á gauleza, sob as gargalhadas
salutares que preparam a boa digestão
imminen te, que saccódem o figado, nul-
lificando nelle os desgastos do alcool.
No Rio, entretanto, ainda não se in
veterou nenhuma dessas modas. Si já
se vão precizando as horas de comer, o
instante de beber ainda não se faz pre
mente, nem se fixou ainda entre nós.
Praticam-n’o já, embora sem fé, neste
paiz sem tradições, esse acto de lithur-
gia phisiologica, (ou pathologica ?) al
guns «estragados que fizeram Paris» e
ainda não passou a Linha
para Oeste.
O aperitivo é « praticado »
no Rio entre a rua do Ou
vidor e o Café Jeremias, pe
las terrasses » da Avenida,
na Paschoal da ma São José
ou na Colombo. E’ muito
mais rigoroso neste ultimo
logar do que alhures. Ahi,
vae-se até ao « oxigénée », o
que é lamentável. O « picón »,
esse, « fait rage » na Colombo.
E o chá?
O chá foi o « Binóculo »
que o fundou no Rio. O chá
faz hoje parte da boa edu
cação, das boas maneiras — mesmo
entre aquelles que não o usaram antes
dos dezoito annos. O chá já vae sendo
lithurgico entre nós.
A Cavé, a Lallet são-lhe cathedraes,
e, entre os seus fieis, alguns muito dig
nos, muito respeitáveis, muito britan-
nicos, abundam uns jovens que fazem
o Brandão, o Rabello, o Raunier, ar
roxarem-lhes a parte media do tórax
com uma facha exterior pregada ao
ves ton que lhes empresta um aspecto
pouco viril, corroborado pelas pomadas,
os pós, os rouges e os bistres que lhes
decoram o rosto quasi infantil. Em
Paris—que elles pretendem imitar —
seriam simplesmente injuriados, se
apparecessem a tomar chá em outro
logar que não em uma certa casa onde
ha liindús servindo de «garçons», e que
fica, si não me engano, na rua de Cas-
tiglione. ANTONIUS