Full text: 1.1915,2.Jun.=Nr. 1 (1915000101)

SELECTA 
<T ■* 
? j 
cS* 
N 
í> 
I I 
u 
— Meu Deus, como és bello, papá! 
Tinha menos temor, menos timidez; sentia-se 
mais mãe de Lili. Lili nao era sómente de Valburgo 
e da avó Virginia e da ama de leite e dos amigos 
da familia, mas era seu, sobretudo, seu, da verda 
deira mama que o tinha tido. Era um pouquinho 
tambem do bello avosinho, que tinha surgido ines 
peradamente urna bella manha, com uma malinha 
cheia de brinquedos inúteis... 
A creada tinha acabado de pôr a mesa. Sahiu 
rapida mente, escorregando sobre o brilhante parquet. 
Dona Virginia trabalhava silenciosa, a cabeça 
abaixada. 
A luz coada da lampada delineava o seu perfil 
inclinado; tomava-o mais branco, mais diaphano. 
Ella estava fazendo uma touquinhacôr de rosa para 
um Lili de seis mezes ao menos. E o seu trabalho 
parecia na verdade uma occupaçâo de joven mama: 
um trabalho mesmo côr de rosa. 
Innocente lia. O que ? Provavelmente um livrinho 
tirado da bibliotheca de Cesarina: uma velha histo- 
na de amôr fatal encadernada em couro azul... 
Levantou-se, seduzido pela doçura intima 
d aquella sala na penumbra, da mesa posta da se 
nhora inclinada sobre o trabalho. 
r echou o volumesinho; deu alguns passos. 
~C ara Virginia!—disse elle. 
Ella deix u a agulha; olhou para elle, sorriu. 
~ Para Lilino ? 
~~Sim, para Lilino. 
EBe sentou-se junto d’ella. Contemplou-a. Ella 
era ainda bonita. Havia ainda qualquer cousa 
n’aquelles olhos, n’aquellas- pupillas de uma expres 
são indizivel, absolutamente feminina, como têm as 
pupillas de certas mulheres quando olham para os 
homens. Havia allí dentro feminilidade, sinceridade, 
uma voz que não fallava, que não cantava, que não> 
gritava, que era uma voz que vinha dos olhos: era 
um olhar profundo de mulher. 
— Cara Virginia! — repetiu elle. 
Ella sorriu ; retomou a agulha, interrogando : 
— Então, que está olhando ? 
— Onde poz as suas chaves ? 
— Dei-as a Cesarina... 
Muito bem; agora trabalhe. Cesarina. A senho 
ra, descanse. Contente-se em trabalhar no tulle. As 
suas mãos são mais brancas e mais bellas do que as 
de Cesarina. Caras mãos trabalhadoras ! 
Ora, ora! disse a mãe de Valburgo com um 
extranho sorriso de altivez e desconforto. O que im 
porta que as minhas mãos sejam jovens se eu sou 
velha. 
Não, não... Que diz ? E eu então ? E’ preciso 
morrer porque não se tem mais vinte, nem trinta, 
nem trinta e cinco annos ?. Não se deve ser mais 
nada aos cincoenta e aos sessenta annos ? Pense um 
pouco, Virginia. 
— Com que fim ? 
— Para pensar. 
— Não. Prefiro pensar na felicidade de meu filho 
e em ver crescer Lili. Olhe, quando Lili puzer esta 
touca, não ficará lindo ? 
— E nós?
	        
© 2007 - | IAI SPK
Waiting...

Note to user

Dear user,

In response to current developments in the web technology used by the Goobi viewer, the software no longer supports your browser.

Please use one of the following browsers to display this page correctly.

Thank you.