Full text: 1.1915,2.Jun.=Nr. 1 (1915000101)

0 DIABRETE 
NO ESPELHO 
Novella de\\ 
FOGAZZARO 
E’ r.m lado interessante, esse, do talento do grande escriptor italiano Antonio 
Fogazzaro, o auctor do “Santo”, romance religioso que tanto mido fez 
ao apparecer. O conto humorístico que se segue é, sob a apparenda d@ 
urna historia cómica, urna 
« avia outr’ora em Milão, a dous passos 
da galeria De Cristoforis, uma senhora 
velha, riquíssima e muito feia, a con 
dessa X..., que morria para receber visi 
tas em sua casa; e como tivesse um 
excedente cozinheiro, nunca lhe faltavam. O seu 
salão continha, uma noite, onze visitas: uma 
joven viuva, uma senhora ingleza, um conselheiro 
da Córte, um gordo general, um tenente de enge 
nharia, magro, um professor de musica com uma 
grande cabelleira e um poeta calvo, ambos cele 
bres, mais quatro jovens dandys muito occupados 
em não fazer nada. 
A conversa tendo versado sobre o eterno pa- 
rallelo entre a vaidade masculina e a vaidade 
feminina, a maioria foi de opinião que o sexo 
forte era o mais vaidoso; mas quando, para dar 
um exemplo, a dona da casa declarou que nenhum 
homem, por mais velho e sério que fosse, era 
capaz de passar diante de um espelho sem con 
templar ao menos disfarçadamente, a sua seduc 
tora imagem, os nossos homens celebres, o con 
selheiro, o gordo general, protestaram que era 
falso e que a vaidade masculina se manifestava 
de modo muito diverso. 
Duas risadas zombeteiras trinaram no ar. Todos 
julgaram que a viuva tinha rido e a viuva pelo 
seu lado julgou que tivesse sido a ingleza. Mas 
nãofôra: quem tinha rido não era outro senão 
u m d’esses diabretes familiares que andam em 
volta de nós para suggerir-nos mentiras e pecca- 
dos de amôr proprio. 
A conversa cessou ahi, porque acabava de dar 
meia-noite. As duas senhoras levantaram-se e a 
dona da casa, muito amavelmente, convidou a 
sociedade presente para jantar no dia seguinte ás 
seis horas. 
No dia seguinte, que era um dia agradavel t 
quente de abril, essas pessoas, cada uma do seu 
lado, foram ao convite; as senhoras, de carro, e 
qs homens, a pè. O conselheiro e o general mo- 
ravam na rua Alexandre Manzoni, os outros mo 
ravam, mn, na rua do Monte, o outro, na rua 
“moralidade” amavel. 
Santo André, outro, no Gros-Faubourg, ainda 
outro, no Faubourg-Neuf. Em summa, todos elles 
passaram pela galeria De Cristoforis, e se bem 
que todos ahi passassem entre seis menos um 
quarto e seis horas, quiz o acaso que nenhum 
d’elles estivesse acompanhado. Sabe-se que a ga 
leria De Cristoforis forma duas passagens em 
angulo recto e que no canto ha um espelho, junto 
do qual se passa quando se desemboca de uma 
passagem para a outra, defronte da cervejaria 
Trinck. 
O diabrete escondeu-se atraz d’esse espelho e 
esperou os nossos convidados para pregar-lhes 
uma das suas diabólicas peças. 
O general é o primeiro a passar, olha-se no 
espelho com o rabo dos olhos, e descobre, com 
terror, uma mancha de tinta na sua face esquerda. 
Eram seis horas menos cinco, elle não tinha tempo 
de voltar a casa. O general apressa o passo, com 
o lenço no rosto, e apenas entra na ante-camara 
da condessa, logo pede ao creado uma toalha e 
um pouco de agua. O creado fal-o entrar n’um 
quarto de dormir e aprompta-se para encher a 
bacia quando tocam de novo a campainha da 
porta. 
E’ o cavalheiro que chega com o lenço na 
face esquerda e exclama: 
— Depressa, dê-me, por favor, uma toalha e 
agua. 
O creado leva-o para um outro quarto de dor 
mir e dá-lhe com que se lavar. 
Tocam a campainha. E’ o tenente que, com a 
mão no rosto, exclama: 
— Que cousa aborrecida, as minhas luvas des 
botam ; tem um pouco d’agua? 
O creado, espantado, leva-o para um terceiro 
quarto de dormir. Quarto toque de campainha; 
é o professor de musica que diz bruscamente: 
— Agua! leve-me a um quarto. 
— Senhor, responde o creado com um tom 
secco, já ahi estão tres senhores a lavarem os ros 
tos nos tris quartos, e só resta o quarto da con 
dessa. Se quizer, trago-lhe aqui uma toalha e agua. 
SUPPLEMENTO
	        
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