0 DIABRETE
NO ESPELHO
Novella de\\
FOGAZZARO
E’ r.m lado interessante, esse, do talento do grande escriptor italiano Antonio
Fogazzaro, o auctor do “Santo”, romance religioso que tanto mido fez
ao apparecer. O conto humorístico que se segue é, sob a apparenda d@
urna historia cómica, urna
« avia outr’ora em Milão, a dous passos
da galeria De Cristoforis, uma senhora
velha, riquíssima e muito feia, a con
dessa X..., que morria para receber visi
tas em sua casa; e como tivesse um
excedente cozinheiro, nunca lhe faltavam. O seu
salão continha, uma noite, onze visitas: uma
joven viuva, uma senhora ingleza, um conselheiro
da Córte, um gordo general, um tenente de enge
nharia, magro, um professor de musica com uma
grande cabelleira e um poeta calvo, ambos cele
bres, mais quatro jovens dandys muito occupados
em não fazer nada.
A conversa tendo versado sobre o eterno pa-
rallelo entre a vaidade masculina e a vaidade
feminina, a maioria foi de opinião que o sexo
forte era o mais vaidoso; mas quando, para dar
um exemplo, a dona da casa declarou que nenhum
homem, por mais velho e sério que fosse, era
capaz de passar diante de um espelho sem con
templar ao menos disfarçadamente, a sua seduc
tora imagem, os nossos homens celebres, o con
selheiro, o gordo general, protestaram que era
falso e que a vaidade masculina se manifestava
de modo muito diverso.
Duas risadas zombeteiras trinaram no ar. Todos
julgaram que a viuva tinha rido e a viuva pelo
seu lado julgou que tivesse sido a ingleza. Mas
nãofôra: quem tinha rido não era outro senão
u m d’esses diabretes familiares que andam em
volta de nós para suggerir-nos mentiras e pecca-
dos de amôr proprio.
A conversa cessou ahi, porque acabava de dar
meia-noite. As duas senhoras levantaram-se e a
dona da casa, muito amavelmente, convidou a
sociedade presente para jantar no dia seguinte ás
seis horas.
No dia seguinte, que era um dia agradavel t
quente de abril, essas pessoas, cada uma do seu
lado, foram ao convite; as senhoras, de carro, e
qs homens, a pè. O conselheiro e o general mo-
ravam na rua Alexandre Manzoni, os outros mo
ravam, mn, na rua do Monte, o outro, na rua
“moralidade” amavel.
Santo André, outro, no Gros-Faubourg, ainda
outro, no Faubourg-Neuf. Em summa, todos elles
passaram pela galeria De Cristoforis, e se bem
que todos ahi passassem entre seis menos um
quarto e seis horas, quiz o acaso que nenhum
d’elles estivesse acompanhado. Sabe-se que a ga
leria De Cristoforis forma duas passagens em
angulo recto e que no canto ha um espelho, junto
do qual se passa quando se desemboca de uma
passagem para a outra, defronte da cervejaria
Trinck.
O diabrete escondeu-se atraz d’esse espelho e
esperou os nossos convidados para pregar-lhes
uma das suas diabólicas peças.
O general é o primeiro a passar, olha-se no
espelho com o rabo dos olhos, e descobre, com
terror, uma mancha de tinta na sua face esquerda.
Eram seis horas menos cinco, elle não tinha tempo
de voltar a casa. O general apressa o passo, com
o lenço no rosto, e apenas entra na ante-camara
da condessa, logo pede ao creado uma toalha e
um pouco de agua. O creado fal-o entrar n’um
quarto de dormir e aprompta-se para encher a
bacia quando tocam de novo a campainha da
porta.
E’ o cavalheiro que chega com o lenço na
face esquerda e exclama:
— Depressa, dê-me, por favor, uma toalha e
agua.
O creado leva-o para um outro quarto de dor
mir e dá-lhe com que se lavar.
Tocam a campainha. E’ o tenente que, com a
mão no rosto, exclama:
— Que cousa aborrecida, as minhas luvas des
botam ; tem um pouco d’agua?
O creado, espantado, leva-o para um terceiro
quarto de dormir. Quarto toque de campainha;
é o professor de musica que diz bruscamente:
— Agua! leve-me a um quarto.
— Senhor, responde o creado com um tom
secco, já ahi estão tres senhores a lavarem os ros
tos nos tris quartos, e só resta o quarto da con
dessa. Se quizer, trago-lhe aqui uma toalha e agua.
SUPPLEMENTO