SELECTA
parte dos pensamentos expressos, não
comprehendem mais nada do que se
está representando ou recitando.
Evite-se esse defeito quanto pos
sível .
XVII
0 diapasão
Assim como se deve procurar o
tom que convem ao que se vae dizer,
é preciso também verificar qual o dia
pasão conveniente á sala em que se
vae fallar ou representar.
Não cuidando d’esse pormenor certos
oradores ficam muito surprehendidos
quando não obtem o successo costu
mado, não notando que é porque
fallaram n’uma sala muito maior do que
a Sala em que fallaram anteriormente.
Devém essa desagradavel surpreza
ao terem conservado o diapasão habi
tual e ao publico tel-os ouvido mal.
Regra geral: nunca se de ve fallar
ou reprezentar n’uma sala pela pri
meira vez, sem ter previamente expe
rimentado o diapasão com que convem
fallar.
Estude sempre como se tivesse que
representar n’uma sala grande; será
fácil depois abaixar o diapasão, confor
me fôr a reunião limitada ou nu
merosa.
E’preciso que o actor que tem de
dizer as primeiras palavras de uma
peça, falle no diapasão conveniente;
senão arrasta a seus parceiros a falla-
rem ou alto demais, ou baixo demais
e os ouvidos do publico são os que
pagam.
Os actores que representam na
mesma peça devem regular o seu dia
pasão uns pelos outros e nunca esque
cer que se as dimensões da sala em que
representam os obrigam a elevar a voz,
o tom deve sempre ficar natural, sin
cero, como se estivessem n’um espaço
pequeno.
Muitos actores de hoje têm a affecta-
ção de fallar em voz baixa. Julgam com
isso que são mais naturaes, represen
tam uma scena que se passa num
quarto como se estivessem fallando no
seu proprio quarto.
Este raciocinio é absurdo : por mais
vasto que seja o seu quarto, nunca po
deria conter, como uma sala de espectá
culo, mil ou mil e duzentas pessoas
e mesmo que as pudesse conter, teria
forçosamenie que altear a voz, o dia
pasão, para ser ouvido e comprehen-
dido por aquelles que alli estivessem.
E’ raro poder se fallar em voz alta
n uma scena que se passe no escuro ;
nesse caso diminua-se o diapasão, mas
tendo sempre o cuidado escrupuloso
de accentuar, forçar a articulação. Pois
quando não se vê bem, não se ouve,
ou, para não exagerar; ouve-se menos
«claramente».
Quando o scenario está illuminado,
a vista, auxiliando o ouvido, apprehende
melhor as syllabas nos labios do actor
antes mesmo • de ter percebido o som
das palavras.
No,escuro, a vista não podendo mais
exercer as suas funcções, é a bocea, são
os labios, que a substituirão, articulan
do-se distinctamente.
Seja qual fôr o diapasão em que se
falle, o actor deve forçar a articulação
quando tiver que fallar de costas para
o publico.
XVIII
0 Movimento
O movimento não é menos util á
dicção do que á musica.
Mas se os compositores têm á sua
disposição signaes para o indicarem
aos executantes, os escriptores não
dispõem do mesmo recurso.
Os actores devem pois, tratar de
adivinhar : com que movimentos deve
interpretar tal phrase, tal recitativo, tal
scena, e interpretar com a maior fideli
dade o pensamento do autor.
E’, em summa, relativamente fácil
saber-se que tal scena deve ser repre
sentada lentamente, pausadamente, e
que em tal outra as replicas devem ser
trocadas rapidamente, nervosamente.
Uma peça cujas scenas fossem repre
sentadas com o mesmo movimento
seria insupportavel ao publico e não
obteria successo algum.
Nunca perder de vista, entretanto,
que ñas scenas mais movimentadas,
comquanto se falle mais apressada
mente, deve-se pronunciar bem distincta
mente.
XIX
íl fxpremo
A expressão é o pensamento que o
actor ou leitor transmitte ao auditorio.
A expressão consiste em dar a cada
palavra, a cada proposição os valores
relativos, que devem ter na phrase,
accentuando-os mais ou menos, mo
dulando as inflexões, collocando a voz
n’um ou n’outro tom; emfim acres
centando á voz, a physionomia, a póse
e o gesto.
E’ pois, preciso para 1er, recitar, re-.
prezentar com expressão, comprehender
bem os sentimentos que se devem
externar, compenetrando-se o mais pos-.
•sivel com o pensamento do autor.
O actor deve dar tanta expressão ao
que diz, como o musico ao que toca.
XX
A PtirasBoIogia
Quem não souber detalhar bem uma
phrase de modo que o sentido fique
claro para o auditorio, quem não souber
destacar distinctamente o que constitue
o principal interesse, de modo que
cada membro da phrase tenha o seu
devido valor, nunca saberá recitar.
A pontuação não basta para indicar
todas as pausas necessárias. Ha outras,
sem as quaes a phrase correrá o risco
de não ser bem comprehendida.
Em principio, para detalhar correcta
mente uma phrase, nunca se devem
desunir duas palavras que o sentido
obriga a juntar, e nunca reunir duas
palavras desunidas pelo sentido.
Uma phrase é um quadro, que o
actor tem diante do seu papel, assim
como o pintor sentado diante do seu
cavalête, deve compor segundo as regras
immutaveis da arte, isto é, pondo em
relevo, em plena luz, o que importa pôr
em evidencia; o que deve particular
mente attrahir, reter a attenção do
publico, e deixar em relativa sombra
tudo o que, pelo contrario, tiver im
portancia mínima, secundaria.
Algumas regras pnncipaes :
O sujeito deve-se destacar do resto
da phrase, salvo quando a proposição
for curta ou quando o sujeito fôr um
pronome pessoal, relativo ou demons
trativo.
O complemento directo seguindo
immediatamente o verbo, liga-se sempre
com esse verbo, a menos que uma pa
lavra não se venha collocar entre o
verbo e o complemento directo ; nesse
caso liga-se essa palavra ao verbo e
faz-se uma ligeira pausa antes do com
plemento directo.
O complemento indirecto destaca-se
geralmente da phrase, quando não se
segue immediatamente ao verbo.
Os complementos circumstanciaes,
sobretudo os de tempo e lugar, devem
sempre destacar-se do resto da phrase.
O adverbio e a locução adverbial
ligam-se ao adjectivo ou ao verbo
quando os seguem, mas devem sempre
ser separados do resto da phrase.
Os termos de comparação, os inci
dentes destacam-se sempre do resto da
phrase.
O adjectivo qualificativo e o parti
cipio, fazendo as vezes d’elle, ligam-se
com a palavra que qualificam.
Esforcem-se para reter bem essas
regras e lembrem-se, sobretudo, que
para bem dizer uma phrase é preciso
evitar dar a cada uma das palavras que
compõem as prases que se têm a dizer,
o mesmo valor.
Dar o mesmo valor a tudo, é o-
mesmo que não dar valor a cousa
alguma.
Em numeros successivos publicaremos os capítulos:
As pausas expressivas. — As palavras de valor. — A dicção. — A attitude. — O gesto. — A physionomia. -
A pontuação. — O scenario. A gambiarra. — A bocea de scena. — O panno. — Os accessorios.
— Camarins dos artistas. - A pintura para a caracterisação (senhoras). - O vestuario.