Full text: 1.1915,9.Jun.=Nr. 2 (1915000102)

SELECTA 
parte dos pensamentos expressos, não 
comprehendem mais nada do que se 
está representando ou recitando. 
Evite-se esse defeito quanto pos 
sível . 
XVII 
0 diapasão 
Assim como se deve procurar o 
tom que convem ao que se vae dizer, 
é preciso também verificar qual o dia 
pasão conveniente á sala em que se 
vae fallar ou representar. 
Não cuidando d’esse pormenor certos 
oradores ficam muito surprehendidos 
quando não obtem o successo costu 
mado, não notando que é porque 
fallaram n’uma sala muito maior do que 
a Sala em que fallaram anteriormente. 
Devém essa desagradavel surpreza 
ao terem conservado o diapasão habi 
tual e ao publico tel-os ouvido mal. 
Regra geral: nunca se de ve fallar 
ou reprezentar n’uma sala pela pri 
meira vez, sem ter previamente expe 
rimentado o diapasão com que convem 
fallar. 
Estude sempre como se tivesse que 
representar n’uma sala grande; será 
fácil depois abaixar o diapasão, confor 
me fôr a reunião limitada ou nu 
merosa. 
E’preciso que o actor que tem de 
dizer as primeiras palavras de uma 
peça, falle no diapasão conveniente; 
senão arrasta a seus parceiros a falla- 
rem ou alto demais, ou baixo demais 
e os ouvidos do publico são os que 
pagam. 
Os actores que representam na 
mesma peça devem regular o seu dia 
pasão uns pelos outros e nunca esque 
cer que se as dimensões da sala em que 
representam os obrigam a elevar a voz, 
o tom deve sempre ficar natural, sin 
cero, como se estivessem n’um espaço 
pequeno. 
Muitos actores de hoje têm a affecta- 
ção de fallar em voz baixa. Julgam com 
isso que são mais naturaes, represen 
tam uma scena que se passa num 
quarto como se estivessem fallando no 
seu proprio quarto. 
Este raciocinio é absurdo : por mais 
vasto que seja o seu quarto, nunca po 
deria conter, como uma sala de espectá 
culo, mil ou mil e duzentas pessoas 
e mesmo que as pudesse conter, teria 
forçosamenie que altear a voz, o dia 
pasão, para ser ouvido e comprehen- 
dido por aquelles que alli estivessem. 
E’ raro poder se fallar em voz alta 
n uma scena que se passe no escuro ; 
nesse caso diminua-se o diapasão, mas 
tendo sempre o cuidado escrupuloso 
de accentuar, forçar a articulação. Pois 
quando não se vê bem, não se ouve, 
ou, para não exagerar; ouve-se menos 
«claramente». 
Quando o scenario está illuminado, 
a vista, auxiliando o ouvido, apprehende 
melhor as syllabas nos labios do actor 
antes mesmo • de ter percebido o som 
das palavras. 
No,escuro, a vista não podendo mais 
exercer as suas funcções, é a bocea, são 
os labios, que a substituirão, articulan 
do-se distinctamente. 
Seja qual fôr o diapasão em que se 
falle, o actor deve forçar a articulação 
quando tiver que fallar de costas para 
o publico. 
XVIII 
0 Movimento 
O movimento não é menos util á 
dicção do que á musica. 
Mas se os compositores têm á sua 
disposição signaes para o indicarem 
aos executantes, os escriptores não 
dispõem do mesmo recurso. 
Os actores devem pois, tratar de 
adivinhar : com que movimentos deve 
interpretar tal phrase, tal recitativo, tal 
scena, e interpretar com a maior fideli 
dade o pensamento do autor. 
E’, em summa, relativamente fácil 
saber-se que tal scena deve ser repre 
sentada lentamente, pausadamente, e 
que em tal outra as replicas devem ser 
trocadas rapidamente, nervosamente. 
Uma peça cujas scenas fossem repre 
sentadas com o mesmo movimento 
seria insupportavel ao publico e não 
obteria successo algum. 
Nunca perder de vista, entretanto, 
que ñas scenas mais movimentadas, 
comquanto se falle mais apressada 
mente, deve-se pronunciar bem distincta 
mente. 
XIX 
íl fxpremo 
A expressão é o pensamento que o 
actor ou leitor transmitte ao auditorio. 
A expressão consiste em dar a cada 
palavra, a cada proposição os valores 
relativos, que devem ter na phrase, 
accentuando-os mais ou menos, mo 
dulando as inflexões, collocando a voz 
n’um ou n’outro tom; emfim acres 
centando á voz, a physionomia, a póse 
e o gesto. 
E’ pois, preciso para 1er, recitar, re-. 
prezentar com expressão, comprehender 
bem os sentimentos que se devem 
externar, compenetrando-se o mais pos-. 
•sivel com o pensamento do autor. 
O actor deve dar tanta expressão ao 
que diz, como o musico ao que toca. 
XX 
A PtirasBoIogia 
Quem não souber detalhar bem uma 
phrase de modo que o sentido fique 
claro para o auditorio, quem não souber 
destacar distinctamente o que constitue 
o principal interesse, de modo que 
cada membro da phrase tenha o seu 
devido valor, nunca saberá recitar. 
A pontuação não basta para indicar 
todas as pausas necessárias. Ha outras, 
sem as quaes a phrase correrá o risco 
de não ser bem comprehendida. 
Em principio, para detalhar correcta 
mente uma phrase, nunca se devem 
desunir duas palavras que o sentido 
obriga a juntar, e nunca reunir duas 
palavras desunidas pelo sentido. 
Uma phrase é um quadro, que o 
actor tem diante do seu papel, assim 
como o pintor sentado diante do seu 
cavalête, deve compor segundo as regras 
immutaveis da arte, isto é, pondo em 
relevo, em plena luz, o que importa pôr 
em evidencia; o que deve particular 
mente attrahir, reter a attenção do 
publico, e deixar em relativa sombra 
tudo o que, pelo contrario, tiver im 
portancia mínima, secundaria. 
Algumas regras pnncipaes : 
O sujeito deve-se destacar do resto 
da phrase, salvo quando a proposição 
for curta ou quando o sujeito fôr um 
pronome pessoal, relativo ou demons 
trativo. 
O complemento directo seguindo 
immediatamente o verbo, liga-se sempre 
com esse verbo, a menos que uma pa 
lavra não se venha collocar entre o 
verbo e o complemento directo ; nesse 
caso liga-se essa palavra ao verbo e 
faz-se uma ligeira pausa antes do com 
plemento directo. 
O complemento indirecto destaca-se 
geralmente da phrase, quando não se 
segue immediatamente ao verbo. 
Os complementos circumstanciaes, 
sobretudo os de tempo e lugar, devem 
sempre destacar-se do resto da phrase. 
O adverbio e a locução adverbial 
ligam-se ao adjectivo ou ao verbo 
quando os seguem, mas devem sempre 
ser separados do resto da phrase. 
Os termos de comparação, os inci 
dentes destacam-se sempre do resto da 
phrase. 
O adjectivo qualificativo e o parti 
cipio, fazendo as vezes d’elle, ligam-se 
com a palavra que qualificam. 
Esforcem-se para reter bem essas 
regras e lembrem-se, sobretudo, que 
para bem dizer uma phrase é preciso 
evitar dar a cada uma das palavras que 
compõem as prases que se têm a dizer, 
o mesmo valor. 
Dar o mesmo valor a tudo, é o- 
mesmo que não dar valor a cousa 
alguma. 
Em numeros successivos publicaremos os capítulos: 
As pausas expressivas. — As palavras de valor. — A dicção. — A attitude. — O gesto. — A physionomia. - 
A pontuação. — O scenario. A gambiarra. — A bocea de scena. — O panno. — Os accessorios. 
— Camarins dos artistas. - A pintura para a caracterisação (senhoras). - O vestuario.
	        
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