SELECTA
pittoresca da giria, é chamado por causa das suas
■duas abas posteriores o café de duas portas. O sciam-
.meria era uru rapaz ocioso, pertencendo talvez a
alguma boa familia burgueza ou aristocrática. Bem
vestido, gastador, bastante corajoso, vivendo do jogo
au de amores quasi sempre n’um ambiente equivoco,
no qual, necessariamente, estava sempre em contacto
com a gente baixa da 7nala-vita e do crime; mas
nao tolerava que estes últimos o dominassem. Nao
era filiado á seitas, nao reconhecia associação alguma;
o seu quartel geral variava entre o theatro e o pros
tíbulo e d’alli, para terminar de madrugada na casa
de jogo; no café de noite e de dia, e no restauran/.
em alegres ceias. Muitas vezes vivia á custa de mu
lheres, mas só lançava mão deste meio muito tarde,
depois de arruinado por ellas. Para gàstar e ap-
parecer elle tinha imposto durante annos á sua fa
milia honesta e afflicta com o seu mau comporta
mento, sacrificios de dinheiro.
E quando a fonte legitima se esgotava, recorria
ás mulheres com quem convivia. Era por instincto,
inimigo do guapo, que gabando-se ser camorrista
exigia obediencia de todos.
O sciammeria se revoltava sempre contra essa
obbedienza, reagindo e conseguindo nao poucas vezes
impor-se. Em Nápoles ainda ha lembranças das
boas lições dadas pelos sciammeria aos camorris
tas. .. de funa. Depois da primeira ou da segunda
liçao os proprios camorristas começavam a gostar
dos sciammeria ; tomavam-se seus amigos e decla
ravam-nos homens de coração.
Entre os sciammeria havia também os espa
dachins.
Não appareceram, entretanto, os verdadeiros es
padachins entre os camorristas senão em 1800. Tor-
nou-se notável o typo de Raphael Marranzino, que
sabia manejar a espada como o mais provecto es
grimista. Era muito temido, pela sua coragem, pela
sua ferocidade e pela habilidade no manejo da es
pada ; e estava em contacto com typos nao menos
perigosos. Um d’estes foi um tal Papel o’ Pozzaro,
cujo sobrenome lhe foi dado pelo seu humilde em
prego que era de limpar as cisternas e os poços.
Elle era simplesmentepicciotto e via com maus olhos
Marranzino. Em 1869 os dous encontraram-se no
cárcere de San Francesco, depois de uma briga em
consequência, da qual tinham jurado que se vinga
riam um do outro. A briga tinha-se originado nas
apreciações pouco benévolas que Pozzaro havia feito
de Marranzino, que de seu lado não perdia occa-
sião de fallar mal do adversario.
Um bello dia Marranzino mandou propor ao irre
quieto Papeie um duello a punhal, mas o terrível
picciotto recusou objectando que não precisava dar
prova da sua coragem e da sua habilidade, e que
não lhe agradava perder tempo com um graúdo.
Se o encontrasse por acaso talvez lhe puxasse as
orelhas. Encontrou-o de facto, agarrou-o pelos ca
bellos, surrou-o deveras. A cousa fez um enorme
barulho ; Pozzaro foi elevado ás nuvens, Marranzino
calou-se envergonhado. Passados alguns annos,
Pozzaro, tendo sido preso por diversos motivos,
viu-se um bello dia na prisão em frente do antigo
inimigo. Dizem que Marranzino procurou ser preso
pela sua vez de proposito para ficar junto do seu.
offensor. O certo é que, por acaso ou por intrigas, o
mesmo cárcere n. 56, teve a honra de acolher a am
bos. Naturalmente brigaram, e uma noite Marran
zino poude emfiin desabafar a sua raiva e a sua
vingança cortando barbaramente o pescoço de Poz
zaro com uma arma extranha: um punhal de pau
que elle tinha feito tirando uma lasca da cama.. .
Houve, entretanto, entre os sciammeria também
verdadeiros fidalgos, que não eram ociosos nem in
clinados á má vida, e que, entretanto, souberam ser
da verdadeira mala-vita. Constituíam um bando
que se dedicava a destruir os guapos. Rapazes de
grande coragem que marcaram em Nápoles, de
1865 a 1880, um periodo singularmente interessante.
Decidiram dar caça aos malandrins, aos scuoncechi
e aos camorristas.
Aprezentavam-se nos cafés e nas casas de jogo
frequentadas por elles e provocavam-nos. Sem ra
zão alguma, sem pretexto, approximavam-se de uma
mesa e perguntavam :
— No meio dos senhores não está fulano ? O fa
moso camorrista fulano ?
A’ resposta affirmativa do tal e dos seus compa
nheiro , que se levantavam para inquirir da razão
da pergunta, respondiam rindo, depredando a fama
e a reputação dos mais temidos guapos e dos mais
terríveis camorristas; não raramente atacavam-nos
de chôfre e brigavam no meio do ruido de mesas
derrubadas, de louça quebrada, de gritos desorde
nados.
Era para elles uma delicia poder dizer no dia se
guinte a toda Nápoles:
— O camorrista tal, o guapo tal ou tal, foram
esbofeteados ou surrados... Foram expulsos aos
murros e pontapés de tal café ou de tal lugar pelos
senhores Tizio, Mevio e Sempronio...
E n’aquelle café, n’aquella sala de bilhar, os gua
pos tratavam de nunca mais por os pés...
Mas o typo deveras excepcional e formidável de
sciammeria de outros tempos, foi em Nápoles, Nicola
Aiossa, que vale a pena tornar conhecido. Moço,
alto, magro, doente do peito, era Nicola Aiossa já
notável como urn d’aquelles homens resolutos que
nada temem. Desprezava os guapos e os camorristas
sentindo-se no seu intimo mais guapo e mais camor
rista do que os que o precederam e os que a elle
seguiram.
Já tinha dado provas de uma coragem absoluta
mente legendaria ; desafiava a todos, de noite e de
dia, aventurando-se sósinho pelos estreitos e duvi
dosos beccos da velha cidade, armado apenas de
uma chibata com pesado punho de chumbo que
podia servir para partir cabeças e costellas. Com
aquella chibata agitada violentamente como a espa
da de Orlando, elle punha em fuga esbirros e mal
feitores, pois não tolerava que a policia se lhe appro-
ximasse de noite, assim como não permittia que as
comitivas de camorristas o incommodassem.
Em 1860, na época do governo provisorio, des
troçada a policia bourbonica, era preciso confiar o
serviço de P. S. a alguém, e então pensou-se em es
colher aquelles que tinham dado provas de co
ragem e que, pelo seu prestigio pessoal e pelas
sympathias que tinham, pudessem fazer efficazmente
frente aos ladrões, aos guapos, aos contrabandistas,
aos camorristas.
Nicola Aiossa foi um dos primeiros escolhidos e