Full text: 1.1915,9.Jun.=Nr. 2 (1915000102)

SELECTA 
pittoresca da giria, é chamado por causa das suas 
■duas abas posteriores o café de duas portas. O sciam- 
.meria era uru rapaz ocioso, pertencendo talvez a 
alguma boa familia burgueza ou aristocrática. Bem 
vestido, gastador, bastante corajoso, vivendo do jogo 
au de amores quasi sempre n’um ambiente equivoco, 
no qual, necessariamente, estava sempre em contacto 
com a gente baixa da 7nala-vita e do crime; mas 
nao tolerava que estes últimos o dominassem. Nao 
era filiado á seitas, nao reconhecia associação alguma; 
o seu quartel geral variava entre o theatro e o pros 
tíbulo e d’alli, para terminar de madrugada na casa 
de jogo; no café de noite e de dia, e no restauran/. 
em alegres ceias. Muitas vezes vivia á custa de mu 
lheres, mas só lançava mão deste meio muito tarde, 
depois de arruinado por ellas. Para gàstar e ap- 
parecer elle tinha imposto durante annos á sua fa 
milia honesta e afflicta com o seu mau comporta 
mento, sacrificios de dinheiro. 
E quando a fonte legitima se esgotava, recorria 
ás mulheres com quem convivia. Era por instincto, 
inimigo do guapo, que gabando-se ser camorrista 
exigia obediencia de todos. 
O sciammeria se revoltava sempre contra essa 
obbedienza, reagindo e conseguindo nao poucas vezes 
impor-se. Em Nápoles ainda ha lembranças das 
boas lições dadas pelos sciammeria aos camorris 
tas. .. de funa. Depois da primeira ou da segunda 
liçao os proprios camorristas começavam a gostar 
dos sciammeria ; tomavam-se seus amigos e decla 
ravam-nos homens de coração. 
Entre os sciammeria havia também os espa 
dachins. 
Não appareceram, entretanto, os verdadeiros es 
padachins entre os camorristas senão em 1800. Tor- 
nou-se notável o typo de Raphael Marranzino, que 
sabia manejar a espada como o mais provecto es 
grimista. Era muito temido, pela sua coragem, pela 
sua ferocidade e pela habilidade no manejo da es 
pada ; e estava em contacto com typos nao menos 
perigosos. Um d’estes foi um tal Papel o’ Pozzaro, 
cujo sobrenome lhe foi dado pelo seu humilde em 
prego que era de limpar as cisternas e os poços. 
Elle era simplesmentepicciotto e via com maus olhos 
Marranzino. Em 1869 os dous encontraram-se no 
cárcere de San Francesco, depois de uma briga em 
consequência, da qual tinham jurado que se vinga 
riam um do outro. A briga tinha-se originado nas 
apreciações pouco benévolas que Pozzaro havia feito 
de Marranzino, que de seu lado não perdia occa- 
sião de fallar mal do adversario. 
Um bello dia Marranzino mandou propor ao irre 
quieto Papeie um duello a punhal, mas o terrível 
picciotto recusou objectando que não precisava dar 
prova da sua coragem e da sua habilidade, e que 
não lhe agradava perder tempo com um graúdo. 
Se o encontrasse por acaso talvez lhe puxasse as 
orelhas. Encontrou-o de facto, agarrou-o pelos ca 
bellos, surrou-o deveras. A cousa fez um enorme 
barulho ; Pozzaro foi elevado ás nuvens, Marranzino 
calou-se envergonhado. Passados alguns annos, 
Pozzaro, tendo sido preso por diversos motivos, 
viu-se um bello dia na prisão em frente do antigo 
inimigo. Dizem que Marranzino procurou ser preso 
pela sua vez de proposito para ficar junto do seu. 
offensor. O certo é que, por acaso ou por intrigas, o 
mesmo cárcere n. 56, teve a honra de acolher a am 
bos. Naturalmente brigaram, e uma noite Marran 
zino poude emfiin desabafar a sua raiva e a sua 
vingança cortando barbaramente o pescoço de Poz 
zaro com uma arma extranha: um punhal de pau 
que elle tinha feito tirando uma lasca da cama.. . 
Houve, entretanto, entre os sciammeria também 
verdadeiros fidalgos, que não eram ociosos nem in 
clinados á má vida, e que, entretanto, souberam ser 
da verdadeira mala-vita. Constituíam um bando 
que se dedicava a destruir os guapos. Rapazes de 
grande coragem que marcaram em Nápoles, de 
1865 a 1880, um periodo singularmente interessante. 
Decidiram dar caça aos malandrins, aos scuoncechi 
e aos camorristas. 
Aprezentavam-se nos cafés e nas casas de jogo 
frequentadas por elles e provocavam-nos. Sem ra 
zão alguma, sem pretexto, approximavam-se de uma 
mesa e perguntavam : 
— No meio dos senhores não está fulano ? O fa 
moso camorrista fulano ? 
A’ resposta affirmativa do tal e dos seus compa 
nheiro , que se levantavam para inquirir da razão 
da pergunta, respondiam rindo, depredando a fama 
e a reputação dos mais temidos guapos e dos mais 
terríveis camorristas; não raramente atacavam-nos 
de chôfre e brigavam no meio do ruido de mesas 
derrubadas, de louça quebrada, de gritos desorde 
nados. 
Era para elles uma delicia poder dizer no dia se 
guinte a toda Nápoles: 
— O camorrista tal, o guapo tal ou tal, foram 
esbofeteados ou surrados... Foram expulsos aos 
murros e pontapés de tal café ou de tal lugar pelos 
senhores Tizio, Mevio e Sempronio... 
E n’aquelle café, n’aquella sala de bilhar, os gua 
pos tratavam de nunca mais por os pés... 
Mas o typo deveras excepcional e formidável de 
sciammeria de outros tempos, foi em Nápoles, Nicola 
Aiossa, que vale a pena tornar conhecido. Moço, 
alto, magro, doente do peito, era Nicola Aiossa já 
notável como urn d’aquelles homens resolutos que 
nada temem. Desprezava os guapos e os camorristas 
sentindo-se no seu intimo mais guapo e mais camor 
rista do que os que o precederam e os que a elle 
seguiram. 
Já tinha dado provas de uma coragem absoluta 
mente legendaria ; desafiava a todos, de noite e de 
dia, aventurando-se sósinho pelos estreitos e duvi 
dosos beccos da velha cidade, armado apenas de 
uma chibata com pesado punho de chumbo que 
podia servir para partir cabeças e costellas. Com 
aquella chibata agitada violentamente como a espa 
da de Orlando, elle punha em fuga esbirros e mal 
feitores, pois não tolerava que a policia se lhe appro- 
ximasse de noite, assim como não permittia que as 
comitivas de camorristas o incommodassem. 
Em 1860, na época do governo provisorio, des 
troçada a policia bourbonica, era preciso confiar o 
serviço de P. S. a alguém, e então pensou-se em es 
colher aquelles que tinham dado provas de co 
ragem e que, pelo seu prestigio pessoal e pelas 
sympathias que tinham, pudessem fazer efficazmente 
frente aos ladrões, aos guapos, aos contrabandistas, 
aos camorristas. 
Nicola Aiossa foi um dos primeiros escolhidos e
	        
© 2007 - | IAI SPK
Waiting...

Note to user

Dear user,

In response to current developments in the web technology used by the Goobi viewer, the software no longer supports your browser.

Please use one of the following browsers to display this page correctly.

Thank you.