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A
'Wéfétro
contos
REGIOliAES
JVIÀ.U OLHADO
(Costumes Mineiros)
A gente do sertão crê no “máu olhado”, na jettatura, como os barqueiros de Nápoles
Este conto de Carlos Góes, regionalista muito distlncto e estylista muito vivo de Minas
é um caso fatal de “máu olhado”...
/L|i5V José Gandaia jurara ao Manoel Curiba.
Manoel Curiba era um caboclo des-
tabocado (1), de passo gingado, trunfa
ao vento, chapeo de banda. Nos diver
sos recontros que tivera, não se lhe
conhecera desfallecimentos ou desar: era sempre
vencedor, e, demais d’isso, generoso, porquanto,
podendo levar á morte o vencido, contentava-se
de lhe riçar a pelle com um golpe de faca ou de
me amolgar as ventas com um arremesso do bra-
Ço. O seu prazer era montar o adversario, caval-
2 a, -o com as pernas enrijadas e, travando-lhe os
hombros com os braços retesados, cuspir-lhe de
rosto:
Conheceu que aqui ha homem? Olha que
nao te mato porque sou christão.
José Gandaia era um portuguez (que o appel-
udo lhe viera da terra onde levara vida sôlta e
malbaratada) rixoso e bulhento, mas com algu
mas posses que 0 faziam cubiçado do mulherio;
er a, de profissão, boiadeiro: sahia pela estrada a
arrematar gado de fazenda em fazenda — gado
descarnado e magro — invernava-o por quatro
a cinco mezes e, logo que o via nédio e roliço,
sahia a mercal-o na feira. Assim amealhara o seu
quinhão e, apurada a feria da mercancia, dava-se
com estrepito alarde a entreter amores fáceis com
as rascôas de porta aberta.
Fôra ahi o seu caso com o Manoel Curiba.
O José Gandaia montou casa a uma mulata
Pimpona e faceira,muito battida dos quartos, mas
aceada e limpa. Tinha uns dentes de jaspe que
luziam no escuro; a rir, duas covinhas lhe apon-
lavam nas faces; os seios se lhe empinavam rijos
(1) Valente, destemido.
e duros como a querer esgarçar o corpete; usava
saias tufadas de gomma e, quando battia a calçada
da rua, os seus tamancos feriam a pedra com um
rythmo compassado e cadente. O José Gandaia
rendeu-se lamecha aos encantos da mulata e apo
sentou-a em casa que lhe trastejou.
O Manoel Curiba era tropeiro; com uma pe
quena tropa de doze bestas (que elle proprio do
mara e adestrara) fazia carretos da feira ao sertão
e do sertão á feira. Muito exacto e fiel, nunca se
lhe increpou falta ou desvio nas cargas confiadas
á sua guarda e, a não ser os recontros a que o
impellia o seu animo pugnaz, era do mais bem-
quisto em toda a sua redondeza.
A’ ultima vez que aportara á feira, — quem ha
via de ver de casa e pucarinha com o José Gan
daia? Maria Rita, a sua primeira namorada dos
bons tempos em que Manoel Curiba orçava ape
nas pelos vinte annos. Ah 1 que saudades lhe não
vinham agora dos volteios e saracoteios do sam
ba, ao som da viola chorosa, enlaçando a cintura
fina de Maria Rita e haurindo-lhe, de perto, toda
a fragrancia da carne virgem e cálida?
Amaram-se como namorados, e Manoel Curiba
lhe empenhara a palavra de esposal-a logo que o
seu officio e trabalho lh’o permittisse. Mas, um
dia estourou no bairro a nova de que Maria Rita
desgarrara de casa, raptada por um palhaço de
circo! Foi uma dor d’alma para o Manoel Curi
ba! Vieram-lhe assomos de ir no encalço dos fu
gitivos, esganal-os, beber-lhes o sangue!... Mas,
entrando na posse de si mesmo, logo se persuadiu
de que Maria Rita era uma tonta e desbriada que
lhe nao merecia a honra de um desfôrço. E fôra
aquella a única paixão de sua vida!...
Annos volveram— quasi um decennio—e
nunca lhe chegaram noticias a respeito da sorte e
SUPPLEMENTO