Full text: 1.1915,16.Jun.=Nr. 3 (1915000103)

L 
A 
'Wéfétro 
contos 
REGIOliAES 
JVIÀ.U OLHADO 
(Costumes Mineiros) 
A gente do sertão crê no “máu olhado”, na jettatura, como os barqueiros de Nápoles 
Este conto de Carlos Góes, regionalista muito distlncto e estylista muito vivo de Minas 
é um caso fatal de “máu olhado”... 
/L|i5V José Gandaia jurara ao Manoel Curiba. 
Manoel Curiba era um caboclo des- 
tabocado (1), de passo gingado, trunfa 
ao vento, chapeo de banda. Nos diver 
sos recontros que tivera, não se lhe 
conhecera desfallecimentos ou desar: era sempre 
vencedor, e, demais d’isso, generoso, porquanto, 
podendo levar á morte o vencido, contentava-se 
de lhe riçar a pelle com um golpe de faca ou de 
me amolgar as ventas com um arremesso do bra- 
Ço. O seu prazer era montar o adversario, caval- 
2 a, -o com as pernas enrijadas e, travando-lhe os 
hombros com os braços retesados, cuspir-lhe de 
rosto: 
Conheceu que aqui ha homem? Olha que 
nao te mato porque sou christão. 
José Gandaia era um portuguez (que o appel- 
udo lhe viera da terra onde levara vida sôlta e 
malbaratada) rixoso e bulhento, mas com algu 
mas posses que 0 faziam cubiçado do mulherio; 
er a, de profissão, boiadeiro: sahia pela estrada a 
arrematar gado de fazenda em fazenda — gado 
descarnado e magro — invernava-o por quatro 
a cinco mezes e, logo que o via nédio e roliço, 
sahia a mercal-o na feira. Assim amealhara o seu 
quinhão e, apurada a feria da mercancia, dava-se 
com estrepito alarde a entreter amores fáceis com 
as rascôas de porta aberta. 
Fôra ahi o seu caso com o Manoel Curiba. 
O José Gandaia montou casa a uma mulata 
Pimpona e faceira,muito battida dos quartos, mas 
aceada e limpa. Tinha uns dentes de jaspe que 
luziam no escuro; a rir, duas covinhas lhe apon- 
lavam nas faces; os seios se lhe empinavam rijos 
(1) Valente, destemido. 
e duros como a querer esgarçar o corpete; usava 
saias tufadas de gomma e, quando battia a calçada 
da rua, os seus tamancos feriam a pedra com um 
rythmo compassado e cadente. O José Gandaia 
rendeu-se lamecha aos encantos da mulata e apo 
sentou-a em casa que lhe trastejou. 
O Manoel Curiba era tropeiro; com uma pe 
quena tropa de doze bestas (que elle proprio do 
mara e adestrara) fazia carretos da feira ao sertão 
e do sertão á feira. Muito exacto e fiel, nunca se 
lhe increpou falta ou desvio nas cargas confiadas 
á sua guarda e, a não ser os recontros a que o 
impellia o seu animo pugnaz, era do mais bem- 
quisto em toda a sua redondeza. 
A’ ultima vez que aportara á feira, — quem ha 
via de ver de casa e pucarinha com o José Gan 
daia? Maria Rita, a sua primeira namorada dos 
bons tempos em que Manoel Curiba orçava ape 
nas pelos vinte annos. Ah 1 que saudades lhe não 
vinham agora dos volteios e saracoteios do sam 
ba, ao som da viola chorosa, enlaçando a cintura 
fina de Maria Rita e haurindo-lhe, de perto, toda 
a fragrancia da carne virgem e cálida? 
Amaram-se como namorados, e Manoel Curiba 
lhe empenhara a palavra de esposal-a logo que o 
seu officio e trabalho lh’o permittisse. Mas, um 
dia estourou no bairro a nova de que Maria Rita 
desgarrara de casa, raptada por um palhaço de 
circo! Foi uma dor d’alma para o Manoel Curi 
ba! Vieram-lhe assomos de ir no encalço dos fu 
gitivos, esganal-os, beber-lhes o sangue!... Mas, 
entrando na posse de si mesmo, logo se persuadiu 
de que Maria Rita era uma tonta e desbriada que 
lhe nao merecia a honra de um desfôrço. E fôra 
aquella a única paixão de sua vida!... 
Annos volveram— quasi um decennio—e 
nunca lhe chegaram noticias a respeito da sorte e 
SUPPLEMENTO
	        
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