Full text: 1.1915,23.Jun.=Nr. 4 (1915000104)

SELECTA 
Agora, de novo na capital do glorioso 
Estado, espero a vinda d’alguma companhia 
e os bailes do Club do Commercio e das 
Escolas de Engenharia, de Medicina e de 
Direito. Hei de dansar... e hei de ouvir de 
clarações d’ amor de todos os meus pares... 
Paciencia!... 
O meu consolo é o frió. Eu gósto do frió 
como urna neta gosta do seu avózinho... O 
frió para mim, na minha imaginação inge 
nua, tem a figura de um velho que eu vi, 
ha muitos annos, numa estampa belga: 
debaixo d’um céo escuro e triste, havia urna 
estrada coberta de neve, cheia de arvores 
sem folhas; a um canto da estrada, sobre 
uma pedra, estava um velho de cabellos até 
aos hombros, com uma physionomia ao mes 
mo tempo de santo e de actor; e junto 
delle, no chão, duas andorinhas mortas. 
Essa estampa tinha por legenda apenas a 
palavra Frio... Nunca mais a esqueci... 
Outro beijo, e longo, longo da 
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A GUANABARA NOCTURNA 
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r azia calor e as aguas da bahia estavam calmas. 
Conversavamos — um grupo de jornalistas na 
Policia Marítima com o sub-inspector e expe- 
ravamos apenas um photographo, que mandáramos 
vir, para tomar a lancha de ronda amarrada ao caes 
Pharoux. Plaviamos sido convidados para esse pas 
seio, que promettia ser devéras interessante, pelo 
digno funccionario. 
Falava-se sobre ladrões do mar e contrabandistas. 
O sub-inspector contava-nos memorias ; um collega 
narrava prisões de caftens, que assistira. 
A’ chegada do photographo, ás dez horas, embar 
camos na lancha e partimos de luzes apagadas. Era 
romântico. A lancha a gazolina estava armada com 
uma metralhadora ; a proa, e, sobre as banquetas de 
ré, onde estavamos, havia diversos fuzis. 
Partimos com rumo ao fundo da bahia, passando 
entre o littoral e a ilha das Cobras, sob a ponte pen 
sil do Arsenal. . 
Conversavamos ainda sobre as aventuras prováveis 
e de que nós todos, por romantismo e por instincto 
profissional, estavamos sequiosos, quando a embar 
cação accelerando bruscamente a marcha, virou de 
bordo rapidamente, seguindo um bote que mal se 
distinguia na tréva. A um toque de buzina o bote 
parou primeiro, depois, veio acostar-nos por esti 
bordo. Os pharóes electrico’s da lancha foram accesos 
logo e o catraeiro appareceu a amurada, extendendo 
ao sub-inspector a sua caderneta de matricula. Era 
um rapaz de pouco mais de 20 annos, mestiço, de 
compleição franzina. Interrogado, respondeu clara 
mente ás perguntas que lhe faziam por formalidade, 
sorrindo quasi irónico. A sua embarcação estava 
vasia e ia amarrar á docça. Deixaram-no ir em paz. 
«Vamos ao pontão adornado». Passámos, assim, 
ao longo do cáes do Porto, abrindo depois para ao 
largo em direcção a uma grande sombra escura, mal 
distincta, que se destacava contra o céo estrellado. 
Era trágico o aspecto daquelle grande barco des 
ancorado, pendido sobre o bordo. Era uma epave 
negra, o cadaver de um grande veleiro que ali estava 
ha annos, encalhado no baixio, com os porões cheios 
d’agua, a apodrecer. Tinha de certo um romance, 
aquelle navio enorme, pintado de negro, mas nin 
guém o sabia a bordo. Agora, serve de recesso aos 
Fadrões do mar e aos contrabandistas. A lancha 
encostou-o pelo bordo mais baixo e um agente poz- 
se a gritar pelo vigia. 
« Não ha uma escada para subir a bordo? » 
— «Não». 
Eramos todos moços e ageis. Escalamos, com 
risco de cahir ao mar, a amurada ingreme, e, em 
pouco, estavamos sobre o conves junto da larga es 
cotilha de carga. Lá no fundo, reflectiam-se as 
estrellas, a constellaçâo do Escorpio que nos ficava 
por cima. O vigia, encontrado a dormir, tomou-nos 
por duendes e poz-se a gritar aterrorizado.. 
«Aqui tem j¿>2>z0Z0 », disse um agente, sinâo esse 
velho não fazia essa fita toda ». Procuramos por toda 
a parte. Não tinha. 
Descemos de novo para a lancha e continuamos 
a viagem na escuridão. , 
Havia ao fundo, para além da ponta do Caju, um 
lugar habitado pelos breus, pelos ladrões do mar. 
Essa gente sáe á noite, remando em silencio, evi 
tando o feixe de luz dos holophotes que os procu 
ram, esgueirando-se pela sombra das chatas.ancora 
das, pelo costado dos transatlânticos, e vae roubar 
saccas de café nos pontões de cargas e leval-as para 
logar seguro. íamos justamente bater a cabana de 
um delles, a quem já haviam sido apprehendidas 
sete saccas, dias antes. O sub-inspector contava que 
o stock já tivesse sido renovado. 
A lancha diminuio a marcha e parou, afinal junto 
de uma especie de trapiche. 
— « E’ aqui».
	        
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