SELECTA
Agora, de novo na capital do glorioso
Estado, espero a vinda d’alguma companhia
e os bailes do Club do Commercio e das
Escolas de Engenharia, de Medicina e de
Direito. Hei de dansar... e hei de ouvir de
clarações d’ amor de todos os meus pares...
Paciencia!...
O meu consolo é o frió. Eu gósto do frió
como urna neta gosta do seu avózinho... O
frió para mim, na minha imaginação inge
nua, tem a figura de um velho que eu vi,
ha muitos annos, numa estampa belga:
debaixo d’um céo escuro e triste, havia urna
estrada coberta de neve, cheia de arvores
sem folhas; a um canto da estrada, sobre
uma pedra, estava um velho de cabellos até
aos hombros, com uma physionomia ao mes
mo tempo de santo e de actor; e junto
delle, no chão, duas andorinhas mortas.
Essa estampa tinha por legenda apenas a
palavra Frio... Nunca mais a esqueci...
Outro beijo, e longo, longo da
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A GUANABARA NOCTURNA
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r azia calor e as aguas da bahia estavam calmas.
Conversavamos — um grupo de jornalistas na
Policia Marítima com o sub-inspector e expe-
ravamos apenas um photographo, que mandáramos
vir, para tomar a lancha de ronda amarrada ao caes
Pharoux. Plaviamos sido convidados para esse pas
seio, que promettia ser devéras interessante, pelo
digno funccionario.
Falava-se sobre ladrões do mar e contrabandistas.
O sub-inspector contava-nos memorias ; um collega
narrava prisões de caftens, que assistira.
A’ chegada do photographo, ás dez horas, embar
camos na lancha e partimos de luzes apagadas. Era
romântico. A lancha a gazolina estava armada com
uma metralhadora ; a proa, e, sobre as banquetas de
ré, onde estavamos, havia diversos fuzis.
Partimos com rumo ao fundo da bahia, passando
entre o littoral e a ilha das Cobras, sob a ponte pen
sil do Arsenal. .
Conversavamos ainda sobre as aventuras prováveis
e de que nós todos, por romantismo e por instincto
profissional, estavamos sequiosos, quando a embar
cação accelerando bruscamente a marcha, virou de
bordo rapidamente, seguindo um bote que mal se
distinguia na tréva. A um toque de buzina o bote
parou primeiro, depois, veio acostar-nos por esti
bordo. Os pharóes electrico’s da lancha foram accesos
logo e o catraeiro appareceu a amurada, extendendo
ao sub-inspector a sua caderneta de matricula. Era
um rapaz de pouco mais de 20 annos, mestiço, de
compleição franzina. Interrogado, respondeu clara
mente ás perguntas que lhe faziam por formalidade,
sorrindo quasi irónico. A sua embarcação estava
vasia e ia amarrar á docça. Deixaram-no ir em paz.
«Vamos ao pontão adornado». Passámos, assim,
ao longo do cáes do Porto, abrindo depois para ao
largo em direcção a uma grande sombra escura, mal
distincta, que se destacava contra o céo estrellado.
Era trágico o aspecto daquelle grande barco des
ancorado, pendido sobre o bordo. Era uma epave
negra, o cadaver de um grande veleiro que ali estava
ha annos, encalhado no baixio, com os porões cheios
d’agua, a apodrecer. Tinha de certo um romance,
aquelle navio enorme, pintado de negro, mas nin
guém o sabia a bordo. Agora, serve de recesso aos
Fadrões do mar e aos contrabandistas. A lancha
encostou-o pelo bordo mais baixo e um agente poz-
se a gritar pelo vigia.
« Não ha uma escada para subir a bordo? »
— «Não».
Eramos todos moços e ageis. Escalamos, com
risco de cahir ao mar, a amurada ingreme, e, em
pouco, estavamos sobre o conves junto da larga es
cotilha de carga. Lá no fundo, reflectiam-se as
estrellas, a constellaçâo do Escorpio que nos ficava
por cima. O vigia, encontrado a dormir, tomou-nos
por duendes e poz-se a gritar aterrorizado..
«Aqui tem j¿>2>z0Z0 », disse um agente, sinâo esse
velho não fazia essa fita toda ». Procuramos por toda
a parte. Não tinha.
Descemos de novo para a lancha e continuamos
a viagem na escuridão. ,
Havia ao fundo, para além da ponta do Caju, um
lugar habitado pelos breus, pelos ladrões do mar.
Essa gente sáe á noite, remando em silencio, evi
tando o feixe de luz dos holophotes que os procu
ram, esgueirando-se pela sombra das chatas.ancora
das, pelo costado dos transatlânticos, e vae roubar
saccas de café nos pontões de cargas e leval-as para
logar seguro. íamos justamente bater a cabana de
um delles, a quem já haviam sido apprehendidas
sete saccas, dias antes. O sub-inspector contava que
o stock já tivesse sido renovado.
A lancha diminuio a marcha e parou, afinal junto
de uma especie de trapiche.
— « E’ aqui».