SELECTA
minense pelas suas qualidades de mãe amantíssima
e extremosa.
Foi, pois, naquella época, que mais fama gozou
a Confeitaria Carceller, já então conhecida popu
larmente por esta denominação.
Era costume do Imperador do Brasil, depois de
visitar as igrejas na Quinta-feira santa, dirigir-se
para o afamado estabelecimento e servir-se de sor-
vetes, pelo que os proprietários mandaram collocar
nas portas internas do estabelecimento, no salão do
andar superior, as armas de Bragança, que ainda
hoje alli se veem ornamentando as galerías das cor
tinas das janellas.
Era a Confeitaria Carceller o ponto obrigado dos
leões da moda, dos altos directores da política e da
administração publica, o local de exhibiçâo do fe
minismo elegante e talvez o escolhido para encon
tros imprevistos, declarações de amores honestos e
dissimulado namoro tão celebrado hoje com a in-
glezada denominação de flirt.
Em 1861 passou o estabelecimento á firma João
Gonçalves Guimarães, em 1867 a Carceller & Schroe-
der, aquelle filho da viuva Carceller, em 1870 a
Schroeder & C., retirando-se o socio João Thomaz
Carceller.
Em 1874 formou Brasilio Rodrigues dos Santos
a firma Santos & C., passando o estabelecimento a
ter o n. 5, funccionando como até então, ahi, Con
feitaria e o bar no n. 7.
Em 1875, Santos constituiu nova sociedade com
o Sr. José Joaquim Ferreira, sob a firma Santos &
Ferreira.
Nesse anno, então, João Corrêa da Silva, en
trando de accôrdo com Santos & Ferreira, estabe
leceu no pavimento terreo do predio n. 7 um bo
tequim e nos andares superiores deste predio, o de
n. 5, um hotel restaurante, sob a denominação de
Hotel do Globo.
Em 1879 passou a confeitaria á propriedade
única de José Joaquim Ferreira, que em 1882 fez
leilão do estabelecimento, acabando por completo
com o negocio.
Em 1881 passou o Hotel do Globo á proprie
dade de Augusto José Gomes e em 1887, entrando
para socio Francisco de Souza Bittencourt, passou
á firma Gomes & Souza.
Em 1893, retirando-se o socio Augusto Gomes,
ficou a propriedade do estabelecimento com Souza
Bittencourt, que desde logo deu interesse ao seu
antigo empregado Pontus Eklof, passando a figurar
em 1896 a firma Souza Bittencourt & C., da qual
fazia parte Jeronymo Corrêa da Rosa. Com essa
dissolução da sociedade, pela sahida de Souza Bit
tencourt, foi então estabelecida a firma Corrêa da
Rosa & C.
Em 1903, mais ou menos, foi o hotel adquirido
pelos Srs. Aarâo do Souto Moraes, e Antonio Esteves
de Araújo Vieira, que formaram a firma social Moraes
& Araújo, retirando-se este da sociedade, cerca de
um anno depois, entrando para socio commandi-
tario Antonio Gomes de Moraes, estabelecido com
confeitaria no largo da Lapa.
Manoel de Moraes tinha por habito, depois da
sua labuta diaria, dar um ligeiro passeio pela cidade
e em seguida dirigir-se para o Passeio Publico, em
cujo terraço se sentava a uma das mesas, servindo-
se de bebidas innocentes.
O proprietário do botequim, Joaquim de Souza
Gomes, seu velho camarada, acommettido por uma
enfermidade nervosa — o delirio de perseguição —
mostrava-se sempre receioso de Moraes, descon
fiado de que este, por motivos extranhos, promet
iera matal-o.
Esse Souza Gomes, que também era alcunhado
«Joaquim da Ponte», porque em tempos passados
fora um individuo rixento e um tanto desordeiro,
foi-se arraigando á convicção enfermiça da ameaça
de morte, pelo que dizia esperar occasiâo oppor-
tuna para vingar-se de Moraes.
No dia 6 de Agosto de 1906, Souza Gomes diri
giu-se para o estabelecimento de Moraes, no largo
da Lapa, e, sem articular palavra, disparou um tiro
de revólver no peito do innocente commerciante,
que cahiu ¡inmediatamente morto.
Preso, foi Souza Gomes processado e submettido
ao Jury, que o absolveu, sendo posto em liberdade
em 24 de Novembro daquelle anno !
O Iiotel do Globo nos últimos annos do antigo
regimen foi o ponto de reunião em que se debatia
a grande maioria dos assumptos que se relaciona
vam com a política nacional. Os mais serios actos
eram decididos pelos ministros e influentes políticos
entre a sopa e um bello e apperitivo copo de Graves.
Já em 1893, me occupei desse afamado hotel e
não se tornará por certo enfadonho transcrever aqui
o que disse então, relembrando factos curiosos da
política nacional, passados entre as paredes do tra
dicional Hotel do Globo, installado na rua Direita:
« Ha mais de meio século foi alli estabelecida no
pavimento terreo do n. 9 uma confeitaria que se
tomou a mais celebre do tempo. Era propriedade
de um Italiano de nome Francioni e principalmente
famosa pelos seus sorvetes. Francioni foi substi
tuido pelo Francez Carceller, antes estabelecido na
rua do Ouvidor n. 30 com a confeitaria do Leão e
que deu seu nome á casa, vendo depois que o povo
a propagava a todo o sitio.
Eis ahi porque muita gente não sabe hoje expli
car como é que os bonds da Carris Urbanos» desi
gnam por esse nome o ponto da rua Direita onde
param, defronte do Hotel do Globo. A calçada
desse lugar, agora melhorada, sempre foi larga.
Havia aili grandes arvores, a cuja sombra alinha
vam-se mesas á moda dos «boulevards» parisienses,
onde Carceller fazia o seu commercio.
Em 1875, João Corrêa da Silva fundou o hotel
do Globo no predio n. 7 e acabou tomando a casa
vizinha e transformando em café o pavimento ter
reo, onde estava installado Carceller. O hotel tor
nou-se famoso, principalmente pelo seu salão de
banquetes no segundo andar. Era moda dar ahi os
jantares políticos, e a gente do bom tom preferia
essa casa, cuja cozinha era a mais afamada da ci
dade. Quem comia no Globo enchia a bocea a
alardear tal distineção.
O salão servia não só para banquetes, mas
também para reuniões de membros do Parlamento,
que tinham de decidir assumptos de interesse par
tidario.
Logo depois de proclamada a Republica, o Globo
ainda gozava exclusivamente desse prestigio. Quan-