Full text: 1.1915,30.Jun.=Nr. 5 (1915000105)

SELECTA 
minense pelas suas qualidades de mãe amantíssima 
e extremosa. 
Foi, pois, naquella época, que mais fama gozou 
a Confeitaria Carceller, já então conhecida popu 
larmente por esta denominação. 
Era costume do Imperador do Brasil, depois de 
visitar as igrejas na Quinta-feira santa, dirigir-se 
para o afamado estabelecimento e servir-se de sor- 
vetes, pelo que os proprietários mandaram collocar 
nas portas internas do estabelecimento, no salão do 
andar superior, as armas de Bragança, que ainda 
hoje alli se veem ornamentando as galerías das cor 
tinas das janellas. 
Era a Confeitaria Carceller o ponto obrigado dos 
leões da moda, dos altos directores da política e da 
administração publica, o local de exhibiçâo do fe 
minismo elegante e talvez o escolhido para encon 
tros imprevistos, declarações de amores honestos e 
dissimulado namoro tão celebrado hoje com a in- 
glezada denominação de flirt. 
Em 1861 passou o estabelecimento á firma João 
Gonçalves Guimarães, em 1867 a Carceller & Schroe- 
der, aquelle filho da viuva Carceller, em 1870 a 
Schroeder & C., retirando-se o socio João Thomaz 
Carceller. 
Em 1874 formou Brasilio Rodrigues dos Santos 
a firma Santos & C., passando o estabelecimento a 
ter o n. 5, funccionando como até então, ahi, Con 
feitaria e o bar no n. 7. 
Em 1875, Santos constituiu nova sociedade com 
o Sr. José Joaquim Ferreira, sob a firma Santos & 
Ferreira. 
Nesse anno, então, João Corrêa da Silva, en 
trando de accôrdo com Santos & Ferreira, estabe 
leceu no pavimento terreo do predio n. 7 um bo 
tequim e nos andares superiores deste predio, o de 
n. 5, um hotel restaurante, sob a denominação de 
Hotel do Globo. 
Em 1879 passou a confeitaria á propriedade 
única de José Joaquim Ferreira, que em 1882 fez 
leilão do estabelecimento, acabando por completo 
com o negocio. 
Em 1881 passou o Hotel do Globo á proprie 
dade de Augusto José Gomes e em 1887, entrando 
para socio Francisco de Souza Bittencourt, passou 
á firma Gomes & Souza. 
Em 1893, retirando-se o socio Augusto Gomes, 
ficou a propriedade do estabelecimento com Souza 
Bittencourt, que desde logo deu interesse ao seu 
antigo empregado Pontus Eklof, passando a figurar 
em 1896 a firma Souza Bittencourt & C., da qual 
fazia parte Jeronymo Corrêa da Rosa. Com essa 
dissolução da sociedade, pela sahida de Souza Bit 
tencourt, foi então estabelecida a firma Corrêa da 
Rosa & C. 
Em 1903, mais ou menos, foi o hotel adquirido 
pelos Srs. Aarâo do Souto Moraes, e Antonio Esteves 
de Araújo Vieira, que formaram a firma social Moraes 
& Araújo, retirando-se este da sociedade, cerca de 
um anno depois, entrando para socio commandi- 
tario Antonio Gomes de Moraes, estabelecido com 
confeitaria no largo da Lapa. 
Manoel de Moraes tinha por habito, depois da 
sua labuta diaria, dar um ligeiro passeio pela cidade 
e em seguida dirigir-se para o Passeio Publico, em 
cujo terraço se sentava a uma das mesas, servindo- 
se de bebidas innocentes. 
O proprietário do botequim, Joaquim de Souza 
Gomes, seu velho camarada, acommettido por uma 
enfermidade nervosa — o delirio de perseguição — 
mostrava-se sempre receioso de Moraes, descon 
fiado de que este, por motivos extranhos, promet 
iera matal-o. 
Esse Souza Gomes, que também era alcunhado 
«Joaquim da Ponte», porque em tempos passados 
fora um individuo rixento e um tanto desordeiro, 
foi-se arraigando á convicção enfermiça da ameaça 
de morte, pelo que dizia esperar occasiâo oppor- 
tuna para vingar-se de Moraes. 
No dia 6 de Agosto de 1906, Souza Gomes diri 
giu-se para o estabelecimento de Moraes, no largo 
da Lapa, e, sem articular palavra, disparou um tiro 
de revólver no peito do innocente commerciante, 
que cahiu ¡inmediatamente morto. 
Preso, foi Souza Gomes processado e submettido 
ao Jury, que o absolveu, sendo posto em liberdade 
em 24 de Novembro daquelle anno ! 
O Iiotel do Globo nos últimos annos do antigo 
regimen foi o ponto de reunião em que se debatia 
a grande maioria dos assumptos que se relaciona 
vam com a política nacional. Os mais serios actos 
eram decididos pelos ministros e influentes políticos 
entre a sopa e um bello e apperitivo copo de Graves. 
Já em 1893, me occupei desse afamado hotel e 
não se tornará por certo enfadonho transcrever aqui 
o que disse então, relembrando factos curiosos da 
política nacional, passados entre as paredes do tra 
dicional Hotel do Globo, installado na rua Direita: 
« Ha mais de meio século foi alli estabelecida no 
pavimento terreo do n. 9 uma confeitaria que se 
tomou a mais celebre do tempo. Era propriedade 
de um Italiano de nome Francioni e principalmente 
famosa pelos seus sorvetes. Francioni foi substi 
tuido pelo Francez Carceller, antes estabelecido na 
rua do Ouvidor n. 30 com a confeitaria do Leão e 
que deu seu nome á casa, vendo depois que o povo 
a propagava a todo o sitio. 
Eis ahi porque muita gente não sabe hoje expli 
car como é que os bonds da Carris Urbanos» desi 
gnam por esse nome o ponto da rua Direita onde 
param, defronte do Hotel do Globo. A calçada 
desse lugar, agora melhorada, sempre foi larga. 
Havia aili grandes arvores, a cuja sombra alinha 
vam-se mesas á moda dos «boulevards» parisienses, 
onde Carceller fazia o seu commercio. 
Em 1875, João Corrêa da Silva fundou o hotel 
do Globo no predio n. 7 e acabou tomando a casa 
vizinha e transformando em café o pavimento ter 
reo, onde estava installado Carceller. O hotel tor 
nou-se famoso, principalmente pelo seu salão de 
banquetes no segundo andar. Era moda dar ahi os 
jantares políticos, e a gente do bom tom preferia 
essa casa, cuja cozinha era a mais afamada da ci 
dade. Quem comia no Globo enchia a bocea a 
alardear tal distineção. 
O salão servia não só para banquetes, mas 
também para reuniões de membros do Parlamento, 
que tinham de decidir assumptos de interesse par 
tidario. 
Logo depois de proclamada a Republica, o Globo 
ainda gozava exclusivamente desse prestigio. Quan-
	        
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