Full text: 1.1915,30.Jun.=Nr. 5 (1915000105)

SELECTA 
rebanhos e do canto das cigarras, as cousas de 
hoje afastam-se, sombream-se, desvánecem-se, e é a 
velha Alsacia, alegre e familiar que se despojando 
dos seus veos, levanta-se e sorri para mim. 
* * * 
Foi n’um inverno, já ha muito tempo (ha mais de 
melo século) no serão das nozes, que o Friedli do 
pae Steiner e a Trinóle da casa Koslach começaram 
a ter umas ideias. Emquanto estalavam as cascas 
das nozes e que, de costas para o fogo, os velhos 
contavam historias da Africa ou da Italia, elles tro 
cavam olhares, e, as suas mãos ennegrecidas pelo 
descascar das nozes verdes, sentiam-se pezarosas 
de se separarem á meia-noite. 
Na terça-feira gorda, fizeram juntos a sorte de 
schieble. 
Segundo o costume, os rapazes da aldeia tinham 
passado o dia a pedir de porta em porta, lenha, pa 
lha e também pasteis e doces. A’ noite, o homem 
de palha (o Sündebock), o manequim comico re- 
cheiado de pedaços de páos resinosos, foi erguido 
na praça grande. Poz-se fogo n’elle, no meio da 
população reunida. 
Quando elle acabou de arder, as brazas foram 
ajuntadas e os rapazes dando a mão ás raparigas 
saltaram por cima. 
Depois foi a vez do schieble. 
Quer schieblar commigo, senhorinha Trinóle ? 
Justamente a mãe Steiner e a mãe Koslach olha 
ram para outro lado. 
Trinóle não disse que sim, mas também não 
disse que não. 
N(uma varinha de metal Friedli enfiou uma fina 
taboinha furada no meio, approximou-a do bra- 
zeiro e logo que ella se inflammou, fel-a voltear 
cantando a meia voz de modo a ser comprehen- 
dido só pela sua vizinha : 
Roda schieb, roda schieb 
Com o meu coração, 
Vôa longe e diz 
Se Trinéle me ama ou não. 
E com um grande gesto elle atira aos ares a ta 
boinha. Se ella se apagar, significa que Friedli não 
deve conservar esperanças. Mas eis que a taboinha 
descreve uma immensa curva, semelhante a urna 
parabola de chammas de onde calle uma chuva de 
falseas... De novo os olhos de Friedli e de Trinéle 
encontram-se e depois desviam-se embaraçados. 
* * * 
Para a festa de S. Marcos os jardins revestiram- 
se de flores... Atravez os campos ouvem-se arru 
lhar as rolas. A primavera radiante resplandece 
plenamente. No tempo de S. João, Trinéle foi ás 
escondidas procurar a herva d’esse santo : isto é, 
ella foi de madrugada apanhar um raminho co 
berto de orvalho e, com mil cuidados, collocou-o 
<' sua janella : se dentro de tres dias elle não tiver 
murchado, é que talvez haja algum rapaz na aldeia 
Que pense n’ella. 
Ao cabo de tres dias, a herva de S. João conser 
vava tudo o seu viço. Também quando, uma tarde, 
riñóle que estava com a sua mãe remendando a 
r oupa, viu pela janella, a mãe Steiner approximar- 
se toda bem vestida com o seu corpete novo, o seu 
chale de franjas e o seu grande avental de seda 
preta, sentiu o coração bater com muita força e ar 
ranjou um pretexto para escapulir : não era preciso 
ir ver se havia ovos no gallinheiro ?... 
Em breve chamam-na. Um pouco solennes, com 
os olhos lacrimosos mas apezar d’isso com as caras 
alegres, as duas comadres olham-na fixamente, o 
que muito a embaraça, pondo-se ella a revirar entre 
os dedos as fitas do seu avental. 
E verdade, Trinele que o teu raminho de 
S. João não murchou ? 
A essa pergunta da mãe Steiner, Trinóle sentiu 
o rubor subir-lhe ás faces. Assim mesmo não 
poude deixar, vendo-a sorrir com um ar malicioso, 
de lhe sorrir também. E de repente achou-se nos 
braços da boa mulher que a abraçou com toda a 
ternura murmurando: 
Então e verdade que queres ser a mulher- 
zinha do meu herzkãfer P 
Porque sendo o mais moço dos tres filhos de 
Steiner, F riedli era appellidado o herzkãfer, «o es- 
carabeu do coração» da sua mamãe. 
Foram chamar os maridos. Elles chegaram : o 
Koslach, cordial segundo o seu costume ; o pae 
Steiner, muito digno, e o compridâo do'Friedli, 
tão commovido! Começaram por dar uns' aos outros 
fortes apertos de mão. 
E depois, Gottlich Koslach foi a sua adega bus 
car uma garrafa de vinho velho e todos beberam á 
saude dos noivos. Naturalmente, os Steiner foram 
convidados a jantar. Como era justo, Trinóle pre 
parava-se para ir ajudar a sua mãe mas manda- 
ram-na embora, para longe das caçarolas. E’ um 
proverbio muito conhecido que diz : «cozinheira 
apaixonada salga demais a comida.» 
Então emquanto as mamães trabalhavam com os 
braços e a lingua, I ríñele e Friedli foram sentar-se, 
de mãos dadas no velho banco do jardim. A meia 
voz elles disseram-se muitas cousas; e entre outras, 
Trinóle soube, o que já suspeitava talvez um pouco: 
que se o seu raminho de herva de S. João ficou 
verde, é que, todas as noites Friedli, com o risco de 
quebrar os ossos, trepava á janella para renoval-o... 
No dia seguinte, Friedli trouxe um annel de 
prata que enfiou no dedo da sua futura... A velha 
mostra-me o seu dedo annelar nodoso, onde brilha 
um circulo de prata já um pouco baço: 
Este mesmo, senhor, que aqui está vendo. 
* * * 
Casaram-se depois da colheita. 
^ — Ah ! foi uma boa festa. Na manhã do grande 
dia, depois de uma noite um pouco agitada, — o 
senhor comprehende, não é ?... — Trinóle foi acor 
dada por uma salva de fusilaría : eram os cavalhei 
ros de honor, todos enfeitados com borlas e fitas 
que descarregavam os seus velhos bacamartes no 
pateo e acclamavam a noiva. Então Trinóle levan- 
tou-se e auxiliada por suas amigas que acudiam 
para vestil-a, enfiou o seu vestido de casamento : 
tudo era novo, desde as meias compridas de linho 
branco feitas por Salomé Barthel, até o esplendido 
vestido de seda preta, muito direito, pendurado em 
um prego no tecto para não se amarrotar.
	        
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