Full text: 1.1915,30.Jun.=Nr. 5 (1915000105)

selecta 
O cão arnarello dá-a ao preto, o cão preto dá-a 
aoamareiio; osso contra osso, músculo contra 
músculo, pelle contra pelle: oito dias de ligadura 
com faixas. 
Depois, o magico soprou sobre aquellas per 
nas postiças; o sopro curou-as, os galgos senti- 
nsm-se fortes sobre aquellas pernas emprestadas. 
Diz-se, para gracejar, que os americanos com 
pram até narizes e orelhas. 
Certamente : Carrel póde adquiril-os e enxer- 
íal-os nos seus clientes que os perderam em al 
guma desgraçada circumstancia da vida. 
Mas o nariz, a orelha são cousas de pouca 
monta. Já que se póde viver sem estomago, por 
exemplo, vendamos—dizem os 
americanos—por cem mil fran 
cos ao canceroso o nosso es 
tomago são. 
O cirurgião de lá sabe fazer 
isto: n’um corpo alquebrado 
onde agonisa um estomago 
resequido, consumido, que se 
esphacela arruinado, adorme 
cido em completa inanição, 
elle colloca o estomago de um 
d’aquelles carregadores que di 
gerem uma perna de carneiro 
e que sonham com as delicias 
das mesas lautamente servidas 
e as robustas digestões gozadas 
junto da garrafa de cognac. 
Pensamentos plebeus con 
fundir-se-ão com os pensa 
mentos de delicado aristocrata, 
se é verdade que se raciocina 
com o estomago e que o orgão comprado man 
tém os seus antigos hábitos mesmo no novo 
dono. 
^ Quem não se lembra da historia do nariz de 
Sdmond About? Este ultimo tinha comprado o 
nariz de um beberrão; quando o beberrão fazia 
desatinos em casa, o nariz do tabeliião corava 
pelo motivo de certa relação que o auctor não 
explicava. 
Carrel dá luz aos cégos! 
Trocando os olhos? Melhor ainda: renovando 
as suas partes. 
Tito tem, por causa de um choque, a cornea 
turvada—a cornea é a parte do globo ocular que 
faz a transparencia do íris—a íurvação não deixa 
a luz excitar a retina e o nervo optico que, entre 
Um cego recupera avista, operado por Carrel, 
no Hospital de Phiiadelphia. 
tanto, estão sãos e que permaneceram sãos apezar 
d’aquella occurrencia. 
Mudar todo o olho é supérfluo. O melhor é 
esperar uma occasião em que algüem empreste 
aquella porçãosinhadeolho que se tornou inútil. 
O caso dá-se: tira-se o olho de Caio por causa 
de uma lasca. Q olho é utilisado por Carrel que 
tira a cornea fresca, colloca-a no lugar da outra 
que está turva e clama á escuridão d’aquelle fundo 
ocular o fiatlux prodigioso, sem que uma cel- 
lula se recuse a obedecer á vontade d’aquelle 
grande director. 
Não se saberia escrever d’esfas provas de auda 
cia, de valor, palavras menos assombrosas do que 
estas. 
Ha ainda mais um assombro: Carrel mantém 
com vida e dá força vital aos tecidos tirados dq 
corpo e que até agora apenas 
viviam um momento. 
Trata-se de pedaços de mus- 
culos que se robusteceram vi 
vendo n’um certo liauido nu 
tritivo preparado por elle; de 
cellulas que se multiplicaram 
como se estivessem no proprio 
corpo, de corações que no se 
rum de sangue se mantiveram 
com vida durante mezes, pul 
sando como sob o estimulo 
da integra pljysiologia, man 
tendo a vitalidade na fibra ar 
rancada,roubada ao organismo, 
conservando a faculdade de ser 
unida de novo ao organismo se 
a mão do cirurgião a destinou 
a outro ihorax. 
Isto é roubar alguma cousa á 
natureza, aquillo que a natureza 
guarda zelosamente. Promeíheu experimentou 
assim os raios do céo. 
Os sabios que caminham em velhos trens sobre 
velhos trilhos, mesmo a cem kilometros á hora, 
arregalam os olhos diante d’esta velocidade ver 
tiginosa. 
Ha quem diga que caminhamos para o abysmo. 
ícaro queimou as próprias azas. 
Os ousados navegadores encontram o non pias 
ultra n’uma grande tragedia. 
Carrel emprega na cirurgia alguma cousa da 
temeridade americana, que derriba as velhas leis 
da natureza; nós assistimos ao desmoronamento 
d’essas leis como á ruina de alguma cousa intan 
gível, firme, immutavel que faz parte de nós 
mesmos. 
SUPPLEMENTO
	        
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