selecta
O cão arnarello dá-a ao preto, o cão preto dá-a
aoamareiio; osso contra osso, músculo contra
músculo, pelle contra pelle: oito dias de ligadura
com faixas.
Depois, o magico soprou sobre aquellas per
nas postiças; o sopro curou-as, os galgos senti-
nsm-se fortes sobre aquellas pernas emprestadas.
Diz-se, para gracejar, que os americanos com
pram até narizes e orelhas.
Certamente : Carrel póde adquiril-os e enxer-
íal-os nos seus clientes que os perderam em al
guma desgraçada circumstancia da vida.
Mas o nariz, a orelha são cousas de pouca
monta. Já que se póde viver sem estomago, por
exemplo, vendamos—dizem os
americanos—por cem mil fran
cos ao canceroso o nosso es
tomago são.
O cirurgião de lá sabe fazer
isto: n’um corpo alquebrado
onde agonisa um estomago
resequido, consumido, que se
esphacela arruinado, adorme
cido em completa inanição,
elle colloca o estomago de um
d’aquelles carregadores que di
gerem uma perna de carneiro
e que sonham com as delicias
das mesas lautamente servidas
e as robustas digestões gozadas
junto da garrafa de cognac.
Pensamentos plebeus con
fundir-se-ão com os pensa
mentos de delicado aristocrata,
se é verdade que se raciocina
com o estomago e que o orgão comprado man
tém os seus antigos hábitos mesmo no novo
dono.
^ Quem não se lembra da historia do nariz de
Sdmond About? Este ultimo tinha comprado o
nariz de um beberrão; quando o beberrão fazia
desatinos em casa, o nariz do tabeliião corava
pelo motivo de certa relação que o auctor não
explicava.
Carrel dá luz aos cégos!
Trocando os olhos? Melhor ainda: renovando
as suas partes.
Tito tem, por causa de um choque, a cornea
turvada—a cornea é a parte do globo ocular que
faz a transparencia do íris—a íurvação não deixa
a luz excitar a retina e o nervo optico que, entre
Um cego recupera avista, operado por Carrel,
no Hospital de Phiiadelphia.
tanto, estão sãos e que permaneceram sãos apezar
d’aquella occurrencia.
Mudar todo o olho é supérfluo. O melhor é
esperar uma occasião em que algüem empreste
aquella porçãosinhadeolho que se tornou inútil.
O caso dá-se: tira-se o olho de Caio por causa
de uma lasca. Q olho é utilisado por Carrel que
tira a cornea fresca, colloca-a no lugar da outra
que está turva e clama á escuridão d’aquelle fundo
ocular o fiatlux prodigioso, sem que uma cel-
lula se recuse a obedecer á vontade d’aquelle
grande director.
Não se saberia escrever d’esfas provas de auda
cia, de valor, palavras menos assombrosas do que
estas.
Ha ainda mais um assombro: Carrel mantém
com vida e dá força vital aos tecidos tirados dq
corpo e que até agora apenas
viviam um momento.
Trata-se de pedaços de mus-
culos que se robusteceram vi
vendo n’um certo liauido nu
tritivo preparado por elle; de
cellulas que se multiplicaram
como se estivessem no proprio
corpo, de corações que no se
rum de sangue se mantiveram
com vida durante mezes, pul
sando como sob o estimulo
da integra pljysiologia, man
tendo a vitalidade na fibra ar
rancada,roubada ao organismo,
conservando a faculdade de ser
unida de novo ao organismo se
a mão do cirurgião a destinou
a outro ihorax.
Isto é roubar alguma cousa á
natureza, aquillo que a natureza
guarda zelosamente. Promeíheu experimentou
assim os raios do céo.
Os sabios que caminham em velhos trens sobre
velhos trilhos, mesmo a cem kilometros á hora,
arregalam os olhos diante d’esta velocidade ver
tiginosa.
Ha quem diga que caminhamos para o abysmo.
ícaro queimou as próprias azas.
Os ousados navegadores encontram o non pias
ultra n’uma grande tragedia.
Carrel emprega na cirurgia alguma cousa da
temeridade americana, que derriba as velhas leis
da natureza; nós assistimos ao desmoronamento
d’essas leis como á ruina de alguma cousa intan
gível, firme, immutavel que faz parte de nós
mesmos.
SUPPLEMENTO