SELECTA
— Vem ver. Sabes que é?
E o pae apontou com o dedo para um riacho
de luz rosa no céo, bem no horizonte, para
os lados do sul.
— E’ prenuncio do sol... Amanhã ou depois
d’amanhá, nos veremos provavelmente o proprio
sol. E olha a extranha luz vermelha no cume do
Rastekai's.
Sampo voltou-se para o oeste.
Com effeito, de longe no cume sombrio, a ne
ve brilhava com reflexos vermelhos.
Essa visão excitou-lhe de novo o desejo de ver
o rei dos Trolls. Pensou n’elletodo o dia; á noite
o somno fugiu-lhe.
— Não, decididamente, é preciso que eu veja
esse rei poderoso, disse elle para si mesmo.
E, sem ruido, deixou a sua caminha quente, e
sahiu.
Fazia muito frio; a neve rangia sob os seus
pés e as estrellas scintillavam. Mas Sampo não era
_ _ friorento. Tinha vestido
casaco, calças e uma pel-
liça. Trazia botas e gorro
de pelle de renna.
Olhou para as estrellas
como para pedir-lhes
conselho. Mas quando
ouviu mover-se a sua pe
quena. renna atraz da
choupana onde estava
amarrada, não hesitou
mais. Depressa, atrelou-a
ao seu trenó, e partiu na immensidão branca, que
brilhava como diamante.
As patas da renna tocavam apenas no chão.
Sampo, encantado, poz-se a cantar.
De repente avistou lobos cinzentos, do tama
nho de cães, que corriam no seu encalço.
Mas Sampo não teve medo.
Sabia muito bem que elles não podiam alcan
çar a sua renna, que voava como uma flecha, pu
lava por cima das fendas das pedras, mesmo dos
arbustos. Proseguiam assim no seu caminho sem
retardar a marcha. A lua corria com elles e as
altas montanhas também no sentido inverso!
Como era divertida a carreira vertiginosa! De
repente, a uma volta brusca do caminho, o pulka
tombou e Sampo cahiu na neve!
A renna não viu nada e continuou a galopar.
E o pequeno Sampo ficou sósinho no immenso
deserto, onde nem um ente vivo o podia ouvir.
Um pouco assustado, elle poz-se de pé; mas não
desanimou. Ah! não!
Era corajoso!
Depois de ter sacudido a neve que o salpicava
de branco, procurou orientar-se.
Por toda a parte eram só planicies de neve; e,
bem na sua frente, levantava-se ameaçador o
monte Rastekais. Era acolá que morava Husi, o
papão das creanças. Então, teve medo e lastimou
ter de : xado a choupana e os paes. Como se sentia
só e abandonado no meio d’essas montanhas se
veras, no silencio profundo, na escuridão que o
cercava! Pobre Sampo! Nem mesmo podia
chorar, pois as suas lagrimas gelavam e cor
riam-lhe no rosto como bolinhas
correndo pela pelliça abaixo.
— Serei um covarde ?
perguntou elle emfim
humilhado. Eu, Sampo
Lappelill! Se eu ficar
aqui me vou tornar uma
verdadeira pedra de gelo.
E’ melhor ir de uma vez
á casa de Husi, rei dos
Trolls. Tanto peior se
elle me comer. Entretan
to, aconselho-lhe que
coma primeiro os lobos; ~ "
são mais gordos do que eu.
geladas] es-
* * *
De repente, ouviu passos surdos na neve, junto
d’elle. Era um lobo que arreganhava os dentes!
Sampo estremeceu. Mas em breve dominou o
seu terror, e, sobranceiro, fingiu-se indifferente:
— Não te incommodes, lobo velho! gritou-lhe
elle. Tenho um recado a dar ao rei dos Trolls e
ai de ti, se me tocares!
— Bem, bem, pequeno, rosnou o lobo, (pois
em Rastekais os bichos faliam). Quem és, me
nino?
— Eu sou Sampo Lappelill. E tu?
— Eu sou o mestre das cerimonias de Sua Ma-
gestade o rei Husi, respondeu o lobo arregalando
uns olhos terríveis. Acabo de convidar todo o
povo á festa do Sol. Monta nas minhas costas e
levo-te á presença do rei.
Sampo não recusou um convite tão amavel; e
montou nas costas do lobo, segurando-se no seu
pello vasto.
Galopavam por cima dos precipicios, das fen
das, pulando de pico em pico.
— Que é a festa do Sol ? perguntou Sampo.
— Não o sabes? replicou o lobo admirado.
Quando o sol reapparece, depois da longa noite
do inverno, nós celebramos a sua resurreição. To
dos os bichos e todos os Trolls são convidados a
Rastekais, e, esse dia, ninguém tem o direito de
fazer mal algum a quem quer que seja. Tens sor
te Sampo Lappelill; senão já te teria comido!
— O rei dos Trolls, observa também essa lei?
perguntou Sampo com prudencia, tremendo de
medo.
— Naturalmente. Uma hora antes do nascer do
sol e uma hora depois, ninguém, nem mesmo o
rei te ousará atacar. Mas cuidado! Pois, se pas
sada a hora ainda estiveres nestes sitios, cem mil
lobos e mil ursos atirar-se-hão sobre ti. O proprio
rei apoderar-se-á de ti, se quizer.