SELECTA
O homem bO$ peixes Conta-se que Moysés
Samama, vindo da ilha
de Gerbi para Tunis ha
uns duzentos e cincoenta annos, encontrou no mer
cado um arabe rico, mas celebre pela sua avareza,
comprando um peixe grande a um pobre pescador
ambulante. O astuto judeu concebeu ¡inmediatamente
o intento de comer a sua parte d’aquelle saboroso
bocado, e seguiu de longe o arabe que voltava de
pressa á casa.
D’aiii a pouco, um appetitoso cheiro de peixe frito
passava peia porta entreaberta; e o judeu sentindo
cócegas no estomago, tomou coragem e bateu á porta
do avarento annunciando-se como «hospede de
Deus ».
Os arabes fanáticos e ferozes praticam rigorosa
mente a virtude da hospitalidade e acolhem de boa
vontade no seu lar e á mesa o hospede que se apre-
zenta em nome do Senhor. Bessi Samama entrou em
casa do arabe, e sentou-se á mesa posta para o jantar.
Sómente o avarento teve o cuidado de collocar sobre
a mesa um prato cheio de peixinhos minúsculos, e de
guardar para si n’um prato coberto, o peixe grande
comprado no mercado. Samama Moysés deitou um
olhar para o prato coberto, outros para os peixinhos
que tinha diante de si, comprehendeu o que se tra
tava, riu, e começou a comer tomando os peixinhos
um a um, e tirando-lhes a cabeça com dentadas rai
vosas, fazendo caretas, que chamaram a attenção do
arabe ingenuo e curioso, e sobretudo, quando viu
que o hospede, antes de comer os peixinhos, appro-
ximava-os do ouvido.
A curiosidade fel-o em breve procurar saber, inter
rogando-o, ao que o ardiloso judeu respondeu d’este
modo:
— Meu pae morreu afogado e o seu cadaver reti
rado pouco depois do mar, estava meio devorado
pelos peixes, eis porque eu lhes tenho um odio que
me faz mastigal-os com tanto furor.
— Mas — replicou o avarento: — porque os ap-
proxima do ouvido ?
— Para ouvir as suas desculpas. Estes pobres pei
xinhos protestam que são innocentes. Não fomos
nós, dizem elles, que devoramos teu pae. Somos
ainda jovens demais, e na época da sua morte, não
tinhamos nascido. Um dos verdadeiros culpados é
aquelle peixe grande que se esconde allí dentro do
prato coberto !...
O arabe cahindo no laço, levou á mesa o peixe
grande... Mas desde aquelle dia em diante Bessi Sa
mama ficou conhecido entre o povo pelo appellido
do «homem dos peixes >.
* -é
Curiosiòabes
sobre a origem
ba primeira mulher
Segundo a mythologia
phenicia, a primeira mu
lher foi esculpida em mar
fim pelo primeiro homem
e Aphrodite deu vida á
estatua.
A lenda grega attribue a creação da primeira mu
lher a Júpiter. O deus dos deuses ordenou a Vulcano
que modelasse a mulher em barro, e convidou os
outros deuses e deusas do Olympo a ornarem a es
tatua com as suas peiores qualidades.
Os escandinavos dizem que os tres filhos de Bor:
Adin, Vill e Ve — passeiando á beira-mar, encontra
ram dous pedaços de páo : um de freixo e outro de
olmo. Os tres deuses fizeram com o pedaço de freixo
o homem e com o de olmo a mulher.
A lenda mais curiosa e que mais se approxima da
versão de Moysés, é a dos malgaches. O homem de
SUPPLEMENTO
pois de ter provado o fructo prohibido, adoeceu com
um grande furúnculo na perna. Deste tumor, que
não tardou a arrebentar, sahiu uma graciosíssima ra
pariga. Então, o primeiro pensamento do homem foi
atiral-a aos porcos para que a devorassem; mas de
pois, por ordem vinda do alto, deixou-a viver e fel-a
sua mulher.
Entre os indios da America, as fabulas são tão nu
merosas como interessantes. Certos povos fazem
nascer a origem dos nossos primeiros paes da união
do grão-turco vermelho com o grão-turco branco;
outros dizem que o homem aborrecendo-se de viver
só, tomou por mulher a filha do rei dos ratos almis-
carados; antes de a desposar fel-a tomar banho de
agua fria.
ét *
Amelia AiKisch a muzica é uma tradicção na fa
milia Nikisch. Arthur Nikisch é
agora acclamado como um dos maiores senão o maior
regente da nossa época e sua mulher poz agora em
scena uma opera em quatro actos: Daniel na cova
dos leões. O libreto foi escripto por Ernst von Wolzo-
gen, e a senhora Amelia Nikisch que já é autora de
uma opereta, Tua Tia, apaixonou-se pelo assumpto
e a sua musica obteve esta vez completo successo, ao
contrario da sua primeira opereta que teve um aco
lhimento muito frio.
A figura de Daniel não se aprezenta no libreto com
a austeridade desejada, pois parece mais um cava
lheiro aventureiro que se serve de estratagemas para
pôr em ridiculo os assyrio-babylonios. A critica entre
tanto mostra-se bastante favoravel á musica, e elogia
especialmente o segundo acto, no qual ha muita me
lodia e sentimento lyrico. A gentil autora mostrou
n’essa opera uma veia musical expontânea, escrevendo
bellas romanças e peças de grande effeito orchestral.
•fi ê.
JlllleHé OPOUíf Encontrou-se recentemente um
maço de cartas que dizem res
peito a Juliette Dronet, a terna
e fiel amiga de Víctor Hugo. Orphã, foi educada no
Petit Plepas, o convento descripto nos Misérables,
e tornou-se depois pintora de flores, modelo e actriz.
As suas relações com Hugo datam da primeira re-
prezentação de Lucrecia Borgia, na qual ella tinha o
papel de Princeza Negroni. Hugo não era ainda mil-
lionario e as contas do faux ménage provam uma
ordem e uma modestia commovedoras. As despezas
diarias escriptas em tres columnas em francos, soidos
e centesimos, nunca foram elevadas. E nem também
as entradas nas quaes se lê por exemplos :
« Dinheiro para a bolsinha do meu Tótó, 10 fran
cos ; dinheiro recebido do meu adorado, 55 francos ;
dinheiro das medalhas da Academia, 36 francos. »
Depois do golpe de Estado Juliette seguiu Tótó a
Jersey e a Guernescy, no exilio. Entre as cartas está
o diario da moça que, parisiense consummada, não
acha nada que a divirta nas ilhas da Mancha. Quei
xa-se do asseio e do comfort inglez, protesta contra
a «beatice protestante». A única pagina alegre é
a narração de um sonho de Víctor Hugo no qual
uma noite lhe pareceu estar de volta em Paris e ter
sido preso por um guarda que se transformava suc-
cessivamente em gigante, em anão e em ama!
Dr. Dulcamara