SELECTA
selleiro. Deixava o, pedréz impaciente atrás do chi
queiro, amarrado á cerca, e atravessava as moitas,
cauteloso, de faca núa na mâo. A jan ella abria-se.
“ e pulava para dentro da casa, E até de madru
gada se ouvia o pedrez inquieto, saudoso da capoeira,
com o frio do sereno, bater duramente com aspatas
oufar de minuto a minuto, sacudindo os freios.
Kapazes enciumados foram esperal-o. Vaqueiros
audazes puzeram-Ihe tocaias. Mas ao apeiar-se do
avalio e tirar a longa faca do cinto com uma eir-
j ® s P e cçao cautelosa, respirando vagarosamente ao
cnto arfar do peito membrudo, escondiam-se na
espera, tenido enfrental-o. Seria amanha; e ama-
ma adiavam para outro dia.
uoite o Baptista do Olho d’Agua, numa re-
oiuçao esporeada pelas lisonjas dos outros á sua
reza, avançou por trás do Estevam, para apunha-
-o nas cruzes. Era um golpe que nao falhava,
vai h'° bel11 ' MaS Um P ° íaIseou numa arieira res-
,, a la ' Perdeu o prumo e pisou com torça um
gamo secco. Ao ruido o Estevam voltou-se, vio o
utro. Avançou para elle. A luta foi breve e surda.
e 0 oudro dia o Baptista andava de braço na tipoia:
c ™° lhe P er guntavam o que fôra, respondia
¡.AÍ maos modos — que cahira do cavallo, vaque
ando na catinga.
Ninguém mais se atreveu a tirar uma desforra,
.tanto muitos nao dormiam e rolavam nas redes
arn ° can t ar > com visões de ciume e anceios
morosos que os torturavam terrivelmente,
uenos dormia Luiza. Levava o dia a pensar em
contral-o. Enchia a casa pequena e clara do rumor
olh 6 i daS canti g as - Outras vezes ficava á janella,
De ando a estrada, a sorrir e a scismar. O seu tem-
de mest N a c°m as tendencias sensuaes
Qu ra ? as lascivas não se fartava do homem
don Cada Vez 0 des ?í ava mais - Se elle a aban-
t e . asse >. sentia que havia de morrer, porque não
.na mais a alimental-a a embriaguez dos beijos
Tod ave * s 6 aS tucuras dos abraços vehementes.
0 , a . sua carne estuava de desejos, toda a sua
falencia sensual anceiava de gozo.
Pan ° , sentir ° seu P asso na areia do caminho ou as
tod lcadas discretas nas umburanas da janella, vibrava
do a - Ootria a abril-a e ficava muda, braços pendi-
Poh na llvidez do luar q ue se espraiava pelo quarto
m fazendo o perfume dos vastos campos ador-
e c,dos - Depois era um anniquilamento da vontade
d Çm apagamento completo dos sentidos nos braços
ah=j Uma sensualidade toda feita de languidez, de
andono e de preguiça.
ia C01 ? a P rimeira claridade triste da manha, elle
ah o embora ’ Pi cav a esquecida á janella. Os passari
as d cantavam nas biqueiras dos casaes e nas moi-
tron i n SaS ' Long ' e ’ nas beb idas, juritys gemiam. O
Pare • m pedrez a Pagava-se com a distancia. Mas
oiiv'H a " ' qUe elIe contlnuava ainda. Applicava o
as r!' j'‘ Somente a levada cantava lentamente entre
^Pedras...
dg d manha tinha olheiras roxas. Queixava-se de
ne ® cabeça. A sua paixao já nao conhecia limites
a ] t emia cousa alguma. O seu rosto apregoava
e j as p ua s noites de amor. O seu corpo quebrado
o gmdo contava os segredos de sua alcova. Todo
ipco Und ° ^ a ^ ava de ^ a na ribeira. Sabia e pouco se
mmodava. Tinham-se desvanecido todos os seus
receios de virgem e o seu pudor de donzella. Agora,
era ella quem ,procurava Estevam, quem insistia
para que fosse a casa mais amiúdo. Por vezes tinha
vontade de bradar ás outras, com orgulho: é meu I
e meu! e meu! Até uma vez arrancára-o numa
contradansa, em pleno terreiro do Virgolino da
Venda, dos braços finos duma filha do João Mulato.
Ao passar pela porta das Malaquias, as solteiro
nas resmungavam com uma pontinha de inveja:
Que sem vergonha ! Que devassa!
O Selleiro, que não ia a festas nem a feiras e com
poucos conversava, de nada sabia. Ao pai do Este
vam, porém, uma das Malaquias fôra de proposito
contar tudo, pedindo segredo pela delação. Te
mendo um inclinação forte do filho pela cabocla, o
velho fazendeiro enviou-o para a capital.
Para o Estevam a Luiza era sómente uma mulher
que se goza e que se deixa, nada mais e nada me
nos. Ja andava ate enfadado delia. Foi alegre que
montou a cavallo e mais alegre que entrou no trem,,
na estação de Agua Verde. Ora, Fortaleza era sem
pre melhor que a Pedra Aguda.
A Luiza entristeceu. Murcharam-lhe as cores da
face e os traços physionomicos descahiram numa
expressão triste de soffrimento. Era seu martyrio dia
e noite a recordação constante da felicidade pas
sada, Queria cantar, queria trabalhar. Vinha-lhe um
no á garganta, o seu olhar parava sem brilho, quasi
morto, a evocar as visões esmaecidas no cerebro-
Parecia que se voltava para dentro naquelle esforço
paciente de memoria.
E as lembranças vinham uma a uma. Era o baile
do Mathias Florindo, noite de S. João, no Criancó,.
Elle a olhava, encostado á hombreira da porta, com.
um olhar tão negro e persistente que lhe acordava
na alma uns desejos que desconhecia e uns anceios
que nunca sentira. Depois foram as valsas louca
mente revoluteadas, ao som gritante das harmôni
cas, quando elle a apertava com tanta força, que
sentira —lembrava-se bem — um dos botões de
osso do seu casaco de brim claro machucar-lhe o
seio. Tão intensa era a força de rememorar que
levava súbito a mão ao peito na completa illusão de
ainda sentir aquella pressão dolorosa...
Vinha-lhe uma grande saudade e a insupportavel
impaciencia de não poder reviver os dias idos. De
satava bruscamente a chorar alto, forte, de borco na
rede, o corpo sacudido em estremeções. O pai ac-
corria. Encontrava-a desgrenhada, olhos vermelhos-
Pretextava dores súbitas lancinantes, do fígado. Elle
vexava-se, animava-a, dava-lhe tisanas de jurubeba
amarga, que ella, bebia de um trago, numa careta,
para contental-o.
Muita vez o Manduca Catolé vinha tomar o seu
cafe na latada do Selleiro, com o proposito firme
de contar ao velho amigo tudo o que sabia. Traziam-
lhe a chicara grossa, de louça esmaltada, as mãos
transparentes e finas de Luiza. Os seus olhos em-
moldurados em roxo pousavam-se nelle, com tris-
ieza. O velho Manduca baixava a cabeça. Depois
que ella sahia, o Selleiro dizia na sua voz resignada
e suave, cheio de confiança, de socego e de fé:
- Não sei o que ella tem, compadre. Queixa-se
do fígado. De vez e quando dá-lhe uma dôr. Chora
que faz do. Ja tem bebido uma porção de jurubeba.
E o mesmo que nada. A doença quando entra na.