SELECTA
roente. Entretanto, apezar de tudo isto, tem-se a
Prova do cuidado meticuloso, mesmo carinhoso com
Que o tratam.
Não se podem renovar os assentos, as cortinas,
os batentes estragados, não se pode concertar o que
esta roto, mas esfrega-se, lava-se, varre-se, lustra-se.
Estes carros são asseiadissimos. Pobre e heroica Ser
via ! Quem sabe quantos sacrificios lhe custa essse
seu amor proprio em querer guardar as apparencias.
Mas a estrada de ferro Salonica-Nisch não é somen
te uma linha nacional: é também o caminho mais
curto para Sophia, para Bukarest, para a Russia.
Allí passam estrangeiros, e a Servia não quer que se
atravesse o seu territorio com demasiado desconfor
to- A Servia .soffre atrozmente por causa da sua
guerra mas quer mostrar aos estrangeiros um rosto
calmo, que possa parecer sereno, que possa mesmo
parecer sorridente.
Pobre e heroica Servia! Esta pequena mostra de
altivez dá urna prova da sua magnifica raça !
O verdadeiro limite entre o Nova Grecia ea No
va Servia nestas terras que são da Macedonia passa
Quasi desapercebido.
^Não corre perigo algum esta fronteira e não se
vcur soldados. Gievgieli é a primeira estação da
Servia, uma estação bastante grande para o lugar.
E temos aqui a primeira visão da guerra. A esta-
Ção sem coberta e sem estribo e naturalmente sem
bancos, que são cousas de estação de luxo regor-
g*ta de officiaes, de soldados, de recrutas.
A cidadesinha dista d’alli uns cem metros. No
m eio da casaria baixa, eleva-se uma espaçosa caser-
n a branca, e da caserna sahem para a estação mui
tos officiaes e alguns soldados apressados. Passa um
só trem por dia, vindo de Salónica e do mar, e é
justo que a sua passagem seja considerada um acon
tecimento. Um acontecimento e uma providencia.
Esta estrada de ferro de Vardar reprezenta a única
v j a de abastecimento: é o corredor pelo qual a Ser-
Vla se communica com o Occidente.
Quando por duas semanas entre Novembro e
Nezembro a estrada de ferro ficou interrompida, o
Puiz ficou consternado. Falta tanta cousa á Servia
Que não pode vir senão por essa via !
E a estrada de ferro tem-nas transpi irtado e trans-
Porta-as. Todos sabem cm Salónica quanta cousa
Passa para a Servia pela estrada de ferro de Vardar,
e sabem-no bem os cônsules da Allemanha, da
Austria e da Turquia, os quaes entretanto, não pro
testam muito vivamente.
Os officiaes estão bem equipados — uniformes e
Engos sobretudos côr de avellã claro com para
mentos. de velludo carmezim, uniformes e sobre
tudos azues com paramentos vermelhos, gollas di
reitas de forma russa collocadas atrevidamente — e
são de uma extrema vivacidade. Entre õs soldados,
a quelles que fazem o serviço de gendarmes são ás
vezes elegantes : os outros resentem-se na pessoa e
110 traje das vicissitudes da guerra. E eis uma pe
quena amostra da guerra que se combate lá : offi
ciaes convalescentes que se arrastam mancando,
soldados que se apoiam em muletas, rapazotes com
a cabeça amarrada e o braço na tipoia.
Gievgiele é também um dos lugares da Cruz V er-
m elha. Apparecem á estação algumas moças enfer
meiras e vêm á passeio alguns americanos da mis
são da Cruz Vermelha.
Os officiaes servios dizem que esses voluntarios
americanos têm feito um grande bem, especialmente
em Belgrado. Médicos? Só um. Ha na Servia uma
desanimadora falta de médicos e uma desoladora
pobreza de remedios e material de soccorro. O
maior pezar para os combatentes é cahirem feridos:
não pelos soffrimentos mas pela certeza de que lhes
faltará o tratamento. Quem morre, ao menos, acaba.
Quem fica ferido tem diante de si a espera longuís
sima no soffrimento sem allivio, e a tragica visão
dos irmãos desolados na impotencia de prestar-lhe
soccorro. Estes convalescentes que recomeçam a
caminhar e a reviver poderão dizer que escaparam
a duas mortes. A colonia dos russos que se mostra
solicita faz exclamações e gestos de compaixão. Um
official servio ferido, com um sorriso débil de doente,
diz :
— Não receiem nada. Estamos todos bem !
Mas, ev identemente, exaggera. Pois, por mais ro
bustos qu e sejam esses servios, e resistentes á fa
diga, indifferentes á dor, os soffrimentos d’esta
guerra combatida no rigor do inverno, á chuva, na
lama, com pouca roupa, com poucos recursos, com
pouco pão, com corações de leão, esta guerra espa
lhou cm torno d’elles, a desolação e as molestias
que se propagam.
Mas ninguém se queixa, podia ser muito peior, as
cousas vão, ao contrario, bastante bem. Vão excel-
lentementc, mesmo, porque a patria vence, porque
o inimigo foi enxotado, batido, completamente fóra.
E a Servia respira mesmo se os seus defensores es
tertoram. E’ uma lueta desesperada mas victoriosa.
— Nós somos como a Bélgica — diz-me um offi
cial que parte para o Quartel-General — mas somos
uma Bélgica mais violenta e mais feliz: uma Bél
gica que vence.
Houve um momento na ultima avançada aus
tríaca em que o povo receiou deveras ser invadida,
alagada toda a Servia. Mas a contra-offensiva ful
minante do exercito do rei Pedro, a victoria furi
bunda, a pavorosa fuga dos austríacos, a milagrosa
libertação do paiz, electrisaram a Servia. Agora nin
guém duvida mais : vencer-se-á sempre, seja quem
fôr o inimigo, qualquer que seja seu numero, sua
força e todo o paiz está em armas. Já foram para a
frente quasi todos os homens; agora também vão
os rapazes, também os velhos, também os fracos. E'
um espectáculo grandioso e estupefaciente.
Está aqui em Gievgieli, alinhada, á espera para
partir com este trem uma tropa de duzentos rapa
zinhos, deveriam ter de dezenove a vinte annos,
mas têm menos certamente.
São da ultima chamada em massa: os recrutas
da Macedonia ainda não tinham sido incorporados.
Não têm uniformes, não têm equipamento.
Vão para o combate assim mesmo como estavam
nas pastagens, atraz do rebanho, ou nos trabalhos
dos campos. O paiz dá-lhes uma espingarda que já
uâo é mais nova, uma bayoneta e uma cartucheira
repleta. E para frente, assim ! Um pouco de instruc-
ção — basta pouca cousa, porque todos eiles conhe
cem o manejo da espingarda, todos — e, avante !
Estes últimos ainda estão meio tontos, trazem
ainda as suas pobres roupas. Este ultimo bando re*