Full text: 1.1915,17.Nov.=Nr. 25 (1915000125)

SELECTA 
íi cercam. O miserando rebanho vae para 
adiante. Para onde? 
Alguns, provavelmente, para a estação 
«Eternidade»... 
* * * 
Na estrada que vae de Brest a Moscou, 
o espectáculo mal pode ser descripto. Em 
multidão, a gente e os animaes fogem se 
guindo a linha da estrada que se estende 
como fita, sem fim, na desolação da planicie 
sem limite. 
Os homens a pé, caminham junto das 
carroças onde, como ñas hordas antigas, as 
mulheres, as creanças e os velhos estão 
amontoados, puxados por animaes estafados 
que se fustigam com um gesto machinal. 
... Quando, no horizonte, o céo se abra- 
zava sobre o combate que se approximava, 
os camponios ajuntavam ás pressas umas 
roupas, atrelavam um rocinante ao carro, 
depois, fechando a sua porta, partiam to 
cando o gado diante de si. 
Aldeias inteiras tinham assim emigrado, o 
padre e o chefe da communa á sua frente, 
levando imagens santas e bandeiras reli 
giosas. 
Iam ate a próxima estrada. Alli deviam 
descançar nos barrancos; diante d’elles, uma 
corrente humana, cujo principio e fim não 
se viam, adiantava-se n’uma nuvem de pó. 
Gente vinda dos mais longínquos districtos, 
ás vezes de muito longe, mesmo do Bug’ 
passava em multidão compacta, escoltando 
de ambos os lados um rosario infinito de 
carros. 
Não havia força que pudesse conter essa 
caudal, e a aldeia que por ultimo tinha 
abalado, precisava esperar que o diluvio 
diminuísse de intensidade, que as fileiras 
rareassem para poderem seguir. Houve-as 
que esperaram assim dous dias inteiros antes 
de se poderem juntar a essa onda humana. 
L quando a nuvem cinzenta por sua vez os 
envolvia, os recem-chegados partilhavam a 
sorte da cohorte, marchando no seu passo, 
soffrendo os seus contra-choques, parando 
quando ella parava, sem esperança de poder 
tomar folego quando o pediam os membros 
doloridos, a menos de correr o perigo de 
morrer só nos fossos, sem poder, nem ao 
menos, apressar a marcha quando lhes pa 
recia que alli mesmo, junto d’elles, o canhão 
os estimulava. 
E os desgraçados marchavam em massas 
compactas, de dia e de noite, dormindo 
pouco, quasi sem comer, e tirando agua dos 
poços das casas abandonadas. Caminhavam 
a ouvir os mugidos do gado, o choro das 
creanças, os gemidos dos velhos sob os tol 
dos das carroças, deixando na estrada os 
fracos, os resignados, os agonisantes e os 
mortos abandonados sem ter mesmo o tempo 
de fazer um gesto de pezar ou uma pequena 
prece, sem uma parada possivel n’essa 
avançada, no meio d’essa gente extranha 
uns aos outros, indifferentes aos mais pun 
gentes dramas, cada um poupando as suas 
forças e a coragem que lhes restava para 
cuidar de si mesmo. 
As fileiras escasseavam todos os dias. O 
grosso das populações tinha passado pelas 
grandes arterias. Eram grupos, aldeias, fa 
milias que se viam chegar agora. Estes úl 
timos vinham dos governos mais distantes, 
perseguidos duplamente pela avançada dos 
Teutôes. 
Acola passava um casal polaco a pé, o 
homem desgrenhado, o rosto illuminado por 
olhos febris : 
Ha um anno que caminhamos, diz-nos 
elle, apresentando para confirmar as suas 
palavras uns papeis que tira do seu jaleco 
de brin. 
Ha um anno, repete como um echo a 
mulher que o acompanha, uma figura ossuda, 
com a roupa encharcada d’aqua. 
Elles são do governo de Plotsk, tendo 
fugido da sua casa como attestam os docu 
mentos, em Agosto do anno passado. 
— São só os dous ? 
Dous agora, responde o homem desdo 
brando um outro papel amarrotado. Nós tí 
nhamos quatro filhos; morreram em viagem 
E o desgraçado acrescentava : 
— E’ duro caminhar assim... Ah! si se 
pudesse trabalhar, senhor, para parar, para 
recuperar as forças... 
Ha um anno que estamos em caminho, 
repetia a mulher tossindo com a sua roupa 
encharcada. 
Um outro grupo. Uma creança tosse des 
esperadamente na tiliega, mas o pae quer 
fallar primeiro do cavallo, o companheiro 
indispensável, a providencia desses emigran 
tes: 
— O animal não pode continuar, senhor, 
esta manco, diz elle afflicto, mostrando o 
casco ensanguentado do cavallo. Vê? que 
vae ser de nós ! 
São tres na carroça, o pae, a mãe e a 
creança. 
— Eramos quatro. Morreu-nos um peque 
no, na quinta-feira fazem duas semanas. 
E este está doente, diz a camponia 
com a voz embargada. 
As forças gastam-se, acrescenta o ho 
mem. Ha sete semanas que andamos assim. 
Não nos tomariam no caminho de ferro ? O
	        
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