PELO MUNDO...
Q MACHINISTA
Era Filiberto Albert um dos melhores ma-
chinistas da estação do Norte, em Paris. Ti
nha trinta e cinco annos, e havia quinze que
dirigia o sul-expresso, sem que neste espaço
de tempo lhe houvesse occorrido nenhum de
sastre, dos que são tão frequentes nas ferro
vias. Filiberto estava enamorado de Dolores
Sasson, a rapariga mais bonita do bairro de
Saint Honoré.
Era Dolores o encanto e a admiração dos
que a conhe
ciam, não só
por sua belle
za como tam
be m pelas
suas virtudes
e sua bondade,
que nenhuma
mulher tinha
em mais alto
grão. Não é,
pois, extranho
que Filiberto,
dotado de co
ração sensivel
e de alma in-
vulgar, ado
rasse Dolores
com loucura,
e esta por sua
parte corres
pondesse ve
hementemente
á paixão do
machinista.
Quatro an
nos duravam
as suas rela
ções e só es-
peravam a
próxima pro
moção de Fili
berto para
que as bodas
se realizas
sem. Quando
o trem corria,
tragando a dis
tancia, appro-
ximando-se da
grande cidade,
o machinista,
no seu pode
roso animal
de ferro, sen
tia alargar-se-
lhe a alma e
dilatarem-se-lhe os pulmões, ao pensar que
ella, sua florsinha de neve, como elle a cha
mava, esperava-o anhelante, ali, atraz do bal
cão cheio de flores de sua casinha, a qual,
com o correr do tempo, havia de ser o ninho
de amor dos futuros esposos. E Filiberto, á
semelhança do cavalleiro que esporeia seu
cavalle, batia vioientamente nas paredes da
cabine, como si quizesse apressar a marcha
da locomotiva, parecendo-lhe pouco aquelles
oitenta kilometros por hora.
As montanhas e os valles passavam ante
elle como sombras. Só desejava chegar, che
gar para vel-a, para ouvir sua voz, para di
zer-lhe as coisas que só sabem dizer os apai
xonados.
Entre os tenues reflexos do crepúsculo, os
resplendores da luz meridiana ou o capuz das
sombras nocturnas, via sempre destacar-se o
seu perfil adorado, como se fosse uma aurora
que se levantasse em pleno dia. Era ella 1 Era
ella 1 A única illusão do seu espirito, aquella
que, para elle, reunia e completava, no ser
physico e mo
ral, todos os
attractivos, to
das as perfei
ções, todas as
grandezas hu
manas e divi
nas. Era ella 1
A luz phantas-
tica do delirio,
de que fala
Edgard Põe,
com seus
olhos negros,
sua cabelleira
ruiva, seus la
bios verme
lhos, seus
dentes bran
cos, seu eolio
de cysne, seu
peito túrgido,
seus braços
torneados, seu
talhe leve e
subtil, esbelto
como aquella
deusa que
Phidias escul
piu no sober
bo portico do
Parthenon de
Athenas. E en
tão Filiberto,
immerso no
seu sonho, re-
splandecia de
gozo, e, ba
tendo sempre
na machina,
exclamava, an
helante: “Mais
depressa, mais
depressa, mi
nha querida ;
vou ver-te 1”
*
* *
Mas — assim são as coisas I — sobreveio
um accidente,terrivel. Dolores enfermou grave
mente, e os médicos tiveram de scientificar a
familia de que a lesão, que minava a saúde da
enferma, era mortal. Quando Filiberto recebeu
a cruel noticia, teve a impressão de que todos
os astros se abatiam sobre a sua cabeça.
Tão anniquilado ficou, que elle, intelligente
como poucos, permaneceu muitas horas preso
á soporífera garra da estupidez. Aquillo era
inaudito. Morrer ella ! Sua Dolores I Sua flor-
zinha de neve I Ah! Não! Aquillo não podia
ser 1 E tinha que ser, sem embargo, - pelo ine-
8ܧ
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