Full text: 2.1923=Nr. 1 (1923000201)

PELO MUNDO... 
Q MACHINISTA 
Era Filiberto Albert um dos melhores ma- 
chinistas da estação do Norte, em Paris. Ti 
nha trinta e cinco annos, e havia quinze que 
dirigia o sul-expresso, sem que neste espaço 
de tempo lhe houvesse occorrido nenhum de 
sastre, dos que são tão frequentes nas ferro 
vias. Filiberto estava enamorado de Dolores 
Sasson, a rapariga mais bonita do bairro de 
Saint Honoré. 
Era Dolores o encanto e a admiração dos 
que a conhe 
ciam, não só 
por sua belle 
za como tam 
be m pelas 
suas virtudes 
e sua bondade, 
que nenhuma 
mulher tinha 
em mais alto 
grão. Não é, 
pois, extranho 
que Filiberto, 
dotado de co 
ração sensivel 
e de alma in- 
vulgar, ado 
rasse Dolores 
com loucura, 
e esta por sua 
parte corres 
pondesse ve 
hementemente 
á paixão do 
machinista. 
Quatro an 
nos duravam 
as suas rela 
ções e só es- 
peravam a 
próxima pro 
moção de Fili 
berto para 
que as bodas 
se realizas 
sem. Quando 
o trem corria, 
tragando a dis 
tancia, appro- 
ximando-se da 
grande cidade, 
o machinista, 
no seu pode 
roso animal 
de ferro, sen 
tia alargar-se- 
lhe a alma e 
dilatarem-se-lhe os pulmões, ao pensar que 
ella, sua florsinha de neve, como elle a cha 
mava, esperava-o anhelante, ali, atraz do bal 
cão cheio de flores de sua casinha, a qual, 
com o correr do tempo, havia de ser o ninho 
de amor dos futuros esposos. E Filiberto, á 
semelhança do cavalleiro que esporeia seu 
cavalle, batia vioientamente nas paredes da 
cabine, como si quizesse apressar a marcha 
da locomotiva, parecendo-lhe pouco aquelles 
oitenta kilometros por hora. 
As montanhas e os valles passavam ante 
elle como sombras. Só desejava chegar, che 
gar para vel-a, para ouvir sua voz, para di 
zer-lhe as coisas que só sabem dizer os apai 
xonados. 
Entre os tenues reflexos do crepúsculo, os 
resplendores da luz meridiana ou o capuz das 
sombras nocturnas, via sempre destacar-se o 
seu perfil adorado, como se fosse uma aurora 
que se levantasse em pleno dia. Era ella 1 Era 
ella 1 A única illusão do seu espirito, aquella 
que, para elle, reunia e completava, no ser 
physico e mo 
ral, todos os 
attractivos, to 
das as perfei 
ções, todas as 
grandezas hu 
manas e divi 
nas. Era ella 1 
A luz phantas- 
tica do delirio, 
de que fala 
Edgard Põe, 
com seus 
olhos negros, 
sua cabelleira 
ruiva, seus la 
bios verme 
lhos, seus 
dentes bran 
cos, seu eolio 
de cysne, seu 
peito túrgido, 
seus braços 
torneados, seu 
talhe leve e 
subtil, esbelto 
como aquella 
deusa que 
Phidias escul 
piu no sober 
bo portico do 
Parthenon de 
Athenas. E en 
tão Filiberto, 
immerso no 
seu sonho, re- 
splandecia de 
gozo, e, ba 
tendo sempre 
na machina, 
exclamava, an 
helante: “Mais 
depressa, mais 
depressa, mi 
nha querida ; 
vou ver-te 1” 
* 
* * 
Mas — assim são as coisas I — sobreveio 
um accidente,terrivel. Dolores enfermou grave 
mente, e os médicos tiveram de scientificar a 
familia de que a lesão, que minava a saúde da 
enferma, era mortal. Quando Filiberto recebeu 
a cruel noticia, teve a impressão de que todos 
os astros se abatiam sobre a sua cabeça. 
Tão anniquilado ficou, que elle, intelligente 
como poucos, permaneceu muitas horas preso 
á soporífera garra da estupidez. Aquillo era 
inaudito. Morrer ella ! Sua Dolores I Sua flor- 
zinha de neve I Ah! Não! Aquillo não podia 
ser 1 E tinha que ser, sem embargo, - pelo ine- 
8ܧ 
. 
¡Sã» 
■
	        
© 2007 - | IAI SPK
Waiting...

Note to user

Dear user,

In response to current developments in the web technology used by the Goobi viewer, the software no longer supports your browser.

Please use one of the following browsers to display this page correctly.

Thank you.