Full text: 1.1922,11.Nov.=Nr. 40 (1922004000)

A MAÇÃ 
11 de Novembro de 1922 
LUIZ MURñT 
Conta uma pe 
queña. lenda do 
Estado do Rio, 
que, nos princi 
pios de abril de 
1863, de viagem 
da Serra das Mi 
nhocas para a 
Peora Sellada, 
tres tropeiros 
ouviram, de re 
pente, umas vo 
zes misteriosas, 
que cantavam, 
como num córo 
de apios : 
— Gloria a Deus ñas alturas, e paz aos homens na 
terra, que acaba de nascer o Novo Messias ! 
Os viajantes detiveram a burra «madrinha», trocaram 
ideas sobre a revellação, e, como vissem, no céu, urna 
estrella de rabo, cujo appendice descia para as bandas do 
Parahyba, encaminharam a ^ropa nesse rumo, indo parar 
na praça da Matriz, na cidade de Rezende, onde acabava 
de incarnar-se, para garantía da humanidade, Luiz Bar- 
reto Murat, descendente directo, ou indirecto, do grande 
soldado napoleónico. 
A infancia do futuro apostolo foi igual á de todos os me 
ninos do seu tempo. E dava, ainda, os seus cangapés ñas 
aguas crespas do rio, quando viu, uma tarde, na ribanceira 
d’este, uma pequena rochochuda, sem meias, que lhe accor- 
dou, de súbito, uns movimentos de coração. Sahir d’agua 
e ir enxugar-se, envergonhado, atraz de um cajueiro, foi, 
para o pequenote, obra de um momento. E dias depois 
ouviram-se, á margem da torrente fluminense, como «so- 
bolos rios que correm de Babylonia», as vozes de um alaude 
novo, que clamava, dia e noite, as tristezas de um amór 
incorrespondido. 
Tinha o nome de Sára, a menina. Celebrando-a, o 
poeta cantava : 
«Na cidade de Rezende, 
Que á margem de um rio estende 
As suas verdes campinas, 
Nasceste, Sára formosa, 
Como uma pallida rosa 
Entre lirios e boninas» 
Informado do estro do filho, o pae empunhou, um dia, 
essas sextilhas, e indagou : 
— Digrf-ine uma cousa: isto é verso ? 
— E‘ verso, e verdade, meu pae 1 — respondeu o ado 
lescente. 
Essa franqueza custou ao meni 
no as primeiras penas de um 
exilio. Deportado para a Córte, 
aqui chegou, ralado de saudades, 
para estudar preparatorios. Vivo, 
estudioso, intelligente, foi o pri 
meiro alumno da sua turma, prin 
cipalmente em mathematicas, em 
que se especialisou no conheci 
mento, a fundo, das taboas de 
Pithagoras: 
— E’ curioso como você, um 
poeta, seja tão apegado aos loga- 
rithmos ! — estranhou, uma vez, 
um collega de banca. 
Luiz soltou um suspiro. 
— E’ predestinação I — gemeu. 
E noutro suspiro : 
Depois que eu levei a «ta 
bea» da Sára, em Rezende, fiquei 
peior que um marceneiro: tudo 
«quanto é táboa, é commigo! 
concluido o curso de huma 
nidades, foi o rapazola transferido 
para São Paulo, a matricular-se 
na Faculdade de Direito. Forte, 
robusto, decidido, impoz-se aos 
companheiros, logo, de entrada. 
O bigode, que sahira do Rio 
incipiente, tomou proporções avan 
tajadas. E, com o bigode, as 
ideas. Educado na escola liberal, 
começou a propagar idéaes avan 
çados, pregando movimentos sub 
versivos. O séu chapéo, construido 
Para proteger os bigodes, ficou celébre, na historia da 
Faculdade. Não era um chepéo: era urna cabana, Ampio, 
msto, á d’Artagnan, as suas ábas eram tão largas, que 
chegaram ao Rio, onde a bohemia do tempo o adoptou, 
dando-lhe o nome de «chapéo Murat», em homenagem 
ao valoroso instituidor datquélle agasalho. 
Em um dos seus passeios ao Rio, pelas ferias, con- 
trahiu Luiz Mürat casamento, ainda como estudante. Essa 
mudança de estado não lhe modificou, entretanto, em nada, 
a vida de mosqueteiro. Tornado a São Paulo, continuou 
com os seus bigodes, com o seu chapéo, e com um 
bengalão de massaranduba, que era o terror dos - valentões. 
E quando deixou a Paúlicéa, com o seu canudo de 
bacharel, houve um suspiro de desafôgo, principalmente 
pela bocea, d’aquelles a quem o estudante havia, nas 
discussões, esmurrado o nariz. 
No Rio, montou Luiz Murat a sua banca de advogado. 
Portador de bôa fama, como orador, e como entendedor 
de leis, foi, logo, procurado por um cento de consti 
tuintes. Bigode arrepiado, testa franzida, cabelleira para 
cima, estava o advogado na sua mesa, escrevendo versos, 
quando entrava um cliente, 
— Bom dia, doutor 1 — saudava. 
— Entrei — respondia Murat, soturnoi. 
O recem-chegado explicava seu caso. Havia fallido, 
ou feito mal a uma menina, ou enganado o sócio, ou 
dado uns tabefes no visinho, — um desses . delictos, 
emfim, que precisam de defeza. E como não queria ser 
condemnado, pedia-lhe que lhe promovesse a absolvição, 
pagando elle constituinte, o que fôsse convencionado. 
A uma d’essas propostas, 
cadeira. 
— Miserável! Cachorro! Pa 
tife! — berrava. — Que é 
que você pensa que eu sou? 
Que idéa faz de mim? 
E avançando para o cons 
tituinte, que abalava, escada 
abaixo: 
— Parto-lhe a cara, bandido! 
Com esse processo de rece 
ber os freguezes, o escriptorio 
do novo advogado ficou, natu 
ralmente, ás moscas. Sem cons 
tituintes, Murat mandou lavar 
os pingos de sangue deixados 
nas escadas pela freguezia 
escorraçada, fechou a porta, 
arrancou a placa, e dedicou-se 
á imprensa, tomando parte, 
nas columnas dos jornaes e nas 
sacadas das redacções, na cam- 
Murat dava um pulo na 
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