4 de Novembro de 1922
A MAÇÃ
A TAXADEIRA
|Prtrí*p..r-«Ci
Não obstante o seu .temperamento de bohemio, o Carlos
Gouvêa, lerceirannista de Engenharia, não passava por
deante d’aquclla estação telegraphica da Tijuca sem sentir
um susto, um medo, uma pre-occupação, alguma cousa
de novo, em summa, no coração. Habituado a rviver
livre, sem ligações que o incommodassem, o rapaz deze-
jaria, sem duvida, aftastar do peps tinento a .'igura daquella
taxadeira de telegrammas; a sua «republica.) ficava, porém,
na rua próxima, de
modo que elle en for
çado a ir tomar o
bonde lodos c s dias
cm frente, exactamente,
da estaçYv
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Convencido de que a
rapa i iga e s * a /a, def i n i -
tivamente, incrustada
na sua vida, resolveu
o estudante não só
deixar-se levar pelo
destino, como, ainda,
procurcu approximar-se
da mora. O processo
mais fácil para sso
: ra, na‘u"almen'e, pas
sar telegra r.rir s todos
os d'.as E começou,
pan elle, um trabalho
novo Todas as manhãs,
cedo, lia a secção
mundana do-, jornaes,
procurava o nome .dos
anniversariantcs illustrcs,
conhecidos ou desco
nhecidos, e, de prs-
sagem pela estação,
mandava-lhes, telegra-
pliicamentc. . es seus
pir bers. O Frcsictente
da Republi a, mii islros,
senadon s . deputados,
homens de letras, di
plomatas est angeiros,
todos p s aram a rece-
ter, sob qualquer pre
texto, ruin primeaos
d’aquelle Carlos Gouvêa,
que ninguem sabia
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quem era. Entregue a folha de papel á formosa taxa-
tieira, esta baixava a cabeça, contava as pnlávras, 'e
sentenciava:
— Quinhentos rés.
Carlos abria a carteira, d?va unia cédula de cinco
mil reis, recebia o troco, e ia para o poste, defronte,
esperar o bonde, emquanto a moça ficava no seu guichet»,
olhos baixos, cabeça baixa, despachando outros clientes
do governo.
Isto, as sim, não póde continuar I — rugiu, um
lia. o rapaz. — Gastei em telegrammas este mez, a
metade da mesada, e não adeantei nada E’ preciso
atacar de frente. No principie^ do mez, quando receber
os quinhentos mil réis do correspondente, eu sei o que
faço.
Correcta, como sempre, a casa commercial que lhe
dava a mesada por conta do pae entregou-lhe, no pri
meiro dia do mez, os quinhentos mil reis que o velho
lhe mandava.
Prefiro uma nota inteira, — disse o rapaz, ao
caixa.
— Uma de quinhentos?
— Sim, senhor.
Recebida a cédula, nova, estalante, mostrando a sua
passagem por poucas mãos, tomou o rapaz o 'bonde,
saltou em frente á estação telegraphica, e entrou. ;A
taxadeira lá estrava, batendo qpm o lapis na mesa, os
olhos, muito grandes, quasi parados, como se seguisse
o fantasma de um - senho.
Entrou sem cumprimentar, tomou uma folha de papel,
e escreveu, a mão firme, letra clara:
«Dr. Pires do Rio
Ministerio Viação
Rio
Estou apaixonado taxadeira estação telegraphica Tijuca,
Si ella não me corresponder suicido-me.
Carlos Gouvêa»
Entregue a folha de papel á mocinha, esta leu, séria,
o conteúdo, contou as palavras, e informou, tirando o recibo:
— Quinhentos res.
Grave, o estudante preparou o ataque, que suppunha
fulminante: arrancou do bolso a nota de quinhentes mil
reis, e apresentou-a. A rapariga nem, sequer, estremeceu:
tomou a cédula, metteu-a na gaveta, fechou-a a chave
«• poz-se a batucar, ne novo, com o lapis, na taboa
da mesa, como se nada tivesse acontecido. Ao fim de
alguns minutos, vendo que o rapaz não 1 se ia embora,
interpellou-o:
O cavalheiro dezeja alguma cousa?
Carlos Gouvêa baixou a cabeça, agarrando-se á grade.
E foi tremulo, pallido, humilhado, mesquinho, pequenino,
que gemeu, sem olhar, sequer, para a moça: c
— Quero o troco...
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