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PELO MUNDO...
ram-se depressa com o nascimento de Adria
no, que a mãe queria amamentar.
Ella deixava o atelier, tomava serviço
em casa, ganhava menos de metade, cuida
va apezar de tudo um pouco da toilette e,
no Luxemburgo, empurrava diante de si o
bébé num carrinho de vime. E Tony tinha
que trabalhar como quatro, fazendo serviço
num jornal da noite; o lar constrangia-o e
elle se endividava. Depois a creança, desma
mada, crescendo, ia para a assistência, e a
mãe, muitas vezes desoccupada, sempre gar
rida, entediava-se em casa, adquiria o ha
bito dos perigosos passeios ao acaso.
Estaes vendo esse pobre homem, enve
lhecido antes da edade, exgottado pelas pre-
occupaçóes e pelo trabalho, e essa cabecinha
louca de vinte e tres annos, linda como um
Greuze?. . .
Uma tarde, entrando em casa com o fi-
Ihinho, que tomara ao passar pelo asylo, To-
&i
A
I
ny Robec encontrou sobre a meza uma car
ta de onde, ao abrir o enveloppe, cahiu a al-
liança de Clementina. Nessa carta dizia-lhe
adeus a ruim creatura, a elle e ao filho, pe
dindo-lhes perdão.
O’ románticos burguezes do jury, que
absolveis sempre, sob pretexto de crime pas
sional, os maridos ultrajados que vêem tudo
vermelho e matam a mulher e o 'amante,
ijies achar bem ridiculo o pobre Tony, e tal
vez mesmo um tanto vil. Mas sua dôr foi
maior que sua cólera. Chorou ¡inmensamen
te, e quando seu Adriano lhe dizia: '“Onde
está mamãe? Mamãe não vem agora 1” elle
beijava a creança apaixonadamente e res-
pondia-lhe: “Não sei. ”
Clementina fugira nos primeiros dias de
maio. — Oh! como é cruel tantas vezes o
aroma dos lilazes! — Tony, no fim de julho,
vendeu quasi toda a mobilia para pagar as
dividas que contrahira e foi morar na rua
Delambre, com a intenção de expatriar-se.
Era lá que elle vivia tão discretamente,
tão dignamente, com seu filhinho, e onde o
acreditavam, viuvo.
Pelo fim de setembro, recebeu o opera
rio uma carta da mulher, quatro paginas in
coherentes e desesperadas, em que a tinta se
via apagada pelas lagrimas. Seu amante,
um estudante de medicina, partira, havia
cinco semanas, em íferias, para a casa da fa
milia, bem longe, no sul, e não mais escre
via, nem dava signal de vida. Via-se aban
donada, trahida por sua vez, ella, a tratado
ra! e arrependia-se, pedia, implorava per
dão . Isto aborreceu extraordinariamente a
Tony.
■Mas tranquilliisae-vos, inflexíveis jura
dos, que tendes a alma do Mouro de Vene
za, e, se vos apraz, concedei um pouco da
vossa estima ao pobre homem. Elle foi alti
vo e não deu resposta á esposa culpada.
Não teve mais noticia alguma de Cle
mentina até á vespèra do Natal.
Ora, nesse dia, havia já alguns annos,
tinha o habito commavente de ir, com a mu
lher, levar um modesto ramilhete — vio
letas e rosas — ao tumulo do pequenino Fé
lix, seu primogênito, que morrera quando
ainda era amamentado, e que elles quize-
ram ter junto de si, em Montparnasse, numa
sepultura concedida por cinco annos e cuja
concessão já havia sido renovada.
Pela primeira vez Tony Robec teve de
fazer a peregrinação só com seu filho Adria
no e, ao transpor a porta do cemiterio, sob
um fúnebre céo de inverno — podeis despre
zar mais uma vez esse coração covarde, ter
ríveis Othellos do jury! — sentia mais do
que nunca a recordação da ausente, da fu
gitiva .
— Onde estará ella agora? pensava.
Que será feito delia?
(Mas, ao chegar diante do tumulo de Fé
lix, que encontrou com alguma difficuldade,
parou, surprezo.
Havia, sobre a pedra, tres ou quatro
brinquedos muito modestos — uma corneta,
um polichinello e um cãosinho -—- que acaba
vam de ser postos ali, porque estavam intei
ramente novos, comprados com certeza na-
quelle dia.
— Ah! brinquedos! exclamou alegre
mente Adriano.
Mae o pae, havendo percebido uma tira
de papel pregado a alfinete sobre os brin
quedos, adiantou-se, apanhou-a e leu estas
palavras numa ealligraphia que bem conhe
cia: “Para Adriano, de parte de seu irmão
Félix, que está agora com Papá Noel. ”
De repente, sentiu-se agarrado pelo fi
lho, ouviu-o murmurar com voz de espanto:
“'Mamãe!” e, a alguns passos de distancia,
ajoelhada junto a um grupo de cyprestes,
viu uma mulher que trazia isóbre o corpo um
vestido e um chale de mendiga e que lhe es
tendia as mãos supplices.
Aqui entre nós, senhores jurados san
guinarios, não creio que Tony Robec tenha
pensado, então, n’aquelle que nasceu no dia
de Natal e que ensinou, pela palavra e pelo
exemplo, o perdão das injurias. O operario
não tjnha religião. Mas «eu coração de ple
beu ignorava o amor-proprio e o rancor.
Após um estremecimento, devido menos 5
cólera do antigo ultrage que á piedade de
vêr num estado tão miserável a mulher que
tanto amara, impelliu docemente o filho pa
ra ella.
—• Adriano, vae beijar tua. mãe.
EJlla recebeu o filho com um abraço
apaixonado, imprimiu-lhe um turbilhão de
beijos sobre os cabellos, ebria de felicidade,