Full text: 1.1922=Nr. 10 (1922000110)

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PELO MUNDO... 
ram-se depressa com o nascimento de Adria 
no, que a mãe queria amamentar. 
Ella deixava o atelier, tomava serviço 
em casa, ganhava menos de metade, cuida 
va apezar de tudo um pouco da toilette e, 
no Luxemburgo, empurrava diante de si o 
bébé num carrinho de vime. E Tony tinha 
que trabalhar como quatro, fazendo serviço 
num jornal da noite; o lar constrangia-o e 
elle se endividava. Depois a creança, desma 
mada, crescendo, ia para a assistência, e a 
mãe, muitas vezes desoccupada, sempre gar 
rida, entediava-se em casa, adquiria o ha 
bito dos perigosos passeios ao acaso. 
Estaes vendo esse pobre homem, enve 
lhecido antes da edade, exgottado pelas pre- 
occupaçóes e pelo trabalho, e essa cabecinha 
louca de vinte e tres annos, linda como um 
Greuze?. . . 
Uma tarde, entrando em casa com o fi- 
Ihinho, que tomara ao passar pelo asylo, To- 
&i 
A 
I 
ny Robec encontrou sobre a meza uma car 
ta de onde, ao abrir o enveloppe, cahiu a al- 
liança de Clementina. Nessa carta dizia-lhe 
adeus a ruim creatura, a elle e ao filho, pe 
dindo-lhes perdão. 
O’ románticos burguezes do jury, que 
absolveis sempre, sob pretexto de crime pas 
sional, os maridos ultrajados que vêem tudo 
vermelho e matam a mulher e o 'amante, 
ijies achar bem ridiculo o pobre Tony, e tal 
vez mesmo um tanto vil. Mas sua dôr foi 
maior que sua cólera. Chorou ¡inmensamen 
te, e quando seu Adriano lhe dizia: '“Onde 
está mamãe? Mamãe não vem agora 1” elle 
beijava a creança apaixonadamente e res- 
pondia-lhe: “Não sei. ” 
Clementina fugira nos primeiros dias de 
maio. — Oh! como é cruel tantas vezes o 
aroma dos lilazes! — Tony, no fim de julho, 
vendeu quasi toda a mobilia para pagar as 
dividas que contrahira e foi morar na rua 
Delambre, com a intenção de expatriar-se. 
Era lá que elle vivia tão discretamente, 
tão dignamente, com seu filhinho, e onde o 
acreditavam, viuvo. 
Pelo fim de setembro, recebeu o opera 
rio uma carta da mulher, quatro paginas in 
coherentes e desesperadas, em que a tinta se 
via apagada pelas lagrimas. Seu amante, 
um estudante de medicina, partira, havia 
cinco semanas, em íferias, para a casa da fa 
milia, bem longe, no sul, e não mais escre 
via, nem dava signal de vida. Via-se aban 
donada, trahida por sua vez, ella, a tratado 
ra! e arrependia-se, pedia, implorava per 
dão . Isto aborreceu extraordinariamente a 
Tony. 
■Mas tranquilliisae-vos, inflexíveis jura 
dos, que tendes a alma do Mouro de Vene 
za, e, se vos apraz, concedei um pouco da 
vossa estima ao pobre homem. Elle foi alti 
vo e não deu resposta á esposa culpada. 
Não teve mais noticia alguma de Cle 
mentina até á vespèra do Natal. 
Ora, nesse dia, havia já alguns annos, 
tinha o habito commavente de ir, com a mu 
lher, levar um modesto ramilhete — vio 
letas e rosas — ao tumulo do pequenino Fé 
lix, seu primogênito, que morrera quando 
ainda era amamentado, e que elles quize- 
ram ter junto de si, em Montparnasse, numa 
sepultura concedida por cinco annos e cuja 
concessão já havia sido renovada. 
Pela primeira vez Tony Robec teve de 
fazer a peregrinação só com seu filho Adria 
no e, ao transpor a porta do cemiterio, sob 
um fúnebre céo de inverno — podeis despre 
zar mais uma vez esse coração covarde, ter 
ríveis Othellos do jury! — sentia mais do 
que nunca a recordação da ausente, da fu 
gitiva . 
— Onde estará ella agora? pensava. 
Que será feito delia? 
(Mas, ao chegar diante do tumulo de Fé 
lix, que encontrou com alguma difficuldade, 
parou, surprezo. 
Havia, sobre a pedra, tres ou quatro 
brinquedos muito modestos — uma corneta, 
um polichinello e um cãosinho -—- que acaba 
vam de ser postos ali, porque estavam intei 
ramente novos, comprados com certeza na- 
quelle dia. 
— Ah! brinquedos! exclamou alegre 
mente Adriano. 
Mae o pae, havendo percebido uma tira 
de papel pregado a alfinete sobre os brin 
quedos, adiantou-se, apanhou-a e leu estas 
palavras numa ealligraphia que bem conhe 
cia: “Para Adriano, de parte de seu irmão 
Félix, que está agora com Papá Noel. ” 
De repente, sentiu-se agarrado pelo fi 
lho, ouviu-o murmurar com voz de espanto: 
“'Mamãe!” e, a alguns passos de distancia, 
ajoelhada junto a um grupo de cyprestes, 
viu uma mulher que trazia isóbre o corpo um 
vestido e um chale de mendiga e que lhe es 
tendia as mãos supplices. 
Aqui entre nós, senhores jurados san 
guinarios, não creio que Tony Robec tenha 
pensado, então, n’aquelle que nasceu no dia 
de Natal e que ensinou, pela palavra e pelo 
exemplo, o perdão das injurias. O operario 
não tjnha religião. Mas «eu coração de ple 
beu ignorava o amor-proprio e o rancor. 
Após um estremecimento, devido menos 5 
cólera do antigo ultrage que á piedade de 
vêr num estado tão miserável a mulher que 
tanto amara, impelliu docemente o filho pa 
ra ella. 
—• Adriano, vae beijar tua. mãe. 
EJlla recebeu o filho com um abraço 
apaixonado, imprimiu-lhe um turbilhão de 
beijos sobre os cabellos, ebria de felicidade,
	        
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